A surpresa foi-se com o vento e ao terceiro dérbi da temporada, o Benfica encarregou-se de marcar diferenças para o Sporting. Mais forte, mais rápido, mais astuto, mais rico no plantel. Enfim, melhor, e a pôr a nu que o leão, sem William Carvalho, perde um enorme argumento. A resposta àquela pergunta insistente: o Sporting é candidato? Talvez tenha sido, talvez ainda seja. Mas a dúvida, a única que nasce da Luz, agora, é ainda maior. É tão grande como cinco pontos na classificação. 

Mas não só.

Porque este dérbi começou a ser decidido antes mesmo de Benfica e Sporting entrarem em campo. Se Leonardo Jardim pretendia surpreender Jorge Jesus, falhou. Claro, o treinador dos encarnados ficou com uma vantagem grande, devido à sequência de eventos desde domingo até esta noite. No entanto, o Sporting desta terça-feira esteve demasiado longe daquele que empatou em Alvalade com as águias e bem distante da equipa que lutou até à exaustão na Taça de Portugal neste mesmo estádio. O Benfica cresceu, entretanto. 

E por aí quase se explica o 2-0 da Luz. O resto fica no talento que brota de ruas argentinas e na alma verdadeira da equipa encarnada: tem nome, sim, chama-se Enzo Pérez.

O 1-0 aos 27 minutos foi a conclusão mais lógica para o que se via em campo. Tão lógico como a jogada começar numa recuperação de bola de Fejsa sobre Adrien, duas forças de cada equipa, dois pontos de decisão no jogo. O médio leonino chegava quase sempre à luta com o sérvio depois de vir de um duelo anterior. Muito por causa da exibição escondida de Eric Dier. William Carvalho não esteve em campo, mas notou-se nele em demasia. O desempenho do inglês confirmava-o. E quem confirmava também era Nico Gaitán. O cruzamento de Maxi Pereira previa-se, o argentino entrou na área do lado contrário, ganhou a frente a Cédric e cabeceou para o 1-0, numa jogada perfeita dos encarnados.

Já tinha havido jogo até aí. Aquele 4x4x2 que se pensava arrojado de Leonardo Jardim era demasiado expectante para um Benfica que se sentiu à vontade com a bola. O leão tinha uma equipa curta no espaço, mas o plano retirou André Martins do miolo e retirou Montero do jogo. Enquanto isso, Enzo Pérez e Fejsa reclamavam o meio-campo da Luz. O lance do 1-0 foi apenas o fixar da bandeira que indicou quem mandava ali. Adrien esteve sempre demasiado desamparado e, com a equipa curta, havia demasiado espaço nas costas da defesa leonina. Espaço que um Benfica astuto aproveitou desde o minuto inicial. Porque foi desde esse momento que começou a criar perigo, num lance ainda assim pouco esclarecido de Gaitán.

Para dar uma ideia mais correta, em 45 minutos, o Sporting teve um cruzamento perigoso de Heldon, um remate quase na atmosfera do cabo-verdiano e pouco mais. Ou melhor, nada mais. O Benfica mandava no meio-campo, e apresentava uma solidez defensiva impressionante, personificada em Luisão, um homem com história nos dérbis, com Maxi Pereira a aceitar o duelo com Heldon, Garay bem nas dobras a Siqueira e sempre com o radar ligado: aquele passe para Gaitán a fechar o primeiro tempo foi fantástico, mas o compatriota não aproveitou.

O 1-0 ao intervalo batia certo com a película mostrada na Luz.

Do intervalo vieram os mesmos. E não é apenas referência aos jogadores. O Benfica entrou como tinha saído, mas se tudo corria bem na defesa e no miolo, na frente faltou eficácia. É verdade, faltou eficácia. Porque se Rodrigo estivesse em noite inspirada como tem estado, o dérbi resolvia-se mais cedo. O lance aos 49 minutos podia ter fechado ali a partida, mas o tiro ao lado permitiu ao leão, por fim, mostrar um pouco as garras.

Em poucos minutos, o Sporting fez dois remates: um de Dier, de cabeça, e um de Heldon, na jogada mais perigosa dos visitantes. Pouco mais leão houve, apesar das mexidas de Jardim. Mas aquilo  ainda foi mais do que a produção em todo o primeiro tempo. E por aí se pode ver como o Benfica foi superior ao rival. Faltava, no entanto, o toque final.

Como isto ainda é um dérbi, faltava aquela pedaço de alma que um jogo tão especial tem. E ninguém em campo tem mais alma que Enzo Pérez, um argentino, um homem nascido do outro lado deste gigante mar que nos separa da América, mas que sente estas partidas como ninguém.

Sentou Eric Dier e atirou de pé esquerdo para o fundo das redes de Rui Patrício. Estava confirmada a oitava vitória consecutiva do Benfica sobre o Sporting, na Luz. Estava confirmado o Benfica como líder isolado do campeonato, com mais quatro pontos que o FC Porto e cinco para os leões.

Os encarnados são, assumidamente, o principal pretendente ao título. Já o foram no passado, em circunstâncias semelhantes e falharam. Mas o futebol, o desporto em geral, dá sempre segundas oportunidades. É a isso que o Benfica tem de agarrar-se, é nisso que o Sporting tem de pensar, porque entre Enzos e Diers ainda vai uma diferença grande, que por muito bom que seja um estratega, ela é e será sempre difícil de encurtar.