Quando Benfica e Sporting subirem ao relvado da Luz nesta quarta-feira para o grande dérbi de Lisboa, haverá muita coisa em jogo, além da recuperação dos encarnados ou um maior isolamento dos leões em relação ao rival.

O MAISFUTEBOL recupera aqui um artigo com velhas histórias de dérbis, contadas por quem os viveu, num artigo originalmente publicado a 9 de dezembro de 2016. Imperdível:

 

A história de uma rivalidade centenária também entra em campo. Tem sido assim ao longo de décadas e o Maisfutebol foi precisamente em busca dessas memórias dos dérbis ao longo dos tempos, recuperando jogos que ficaram para a história pelo testemunho dos seus protagonistas.

Recuámos aos dérbis de outras eras, um por década, de 50 aos anos 2000, e começámos por encontrar Rogério Pipi, que nos recebeu animado no dia em que celebrou 94 primaveras. «Vou comprar uma bicicleta para ver se chego aos 100 mais rapidamente», gracejou, antes de lembrar-nos daquele Benfica-Sporting de 1952, uma chuva de golos no Jamor que terminou com 5-4, com um golo decisivo nos segundos finais.

Prosseguimos até ao poker de Lourenço, que ajudou a quebrar a hegemonia do Benfica de Eusébio, tal como agora então também tricampeão, anos antes de o herói leonino desse jogo tornar-se num emigrante quase anónimo...

Seguimos com aquele que é talvez o episódio paralelo mais famoso de sempre num dérbi, o dia em que Vítor Batista perdeu o brinco que não era pechisbeque depois de marcar o único golo do jogo, essa memória do «Maior» contada aqui pelo capitão Toni.

Depois, os dois dérbis que ganharam direito a ser conhecidos apenas pelo resultado. O 7-1 de 14 de dezembro de 1986, está a fazer 30 anos, o jogo do poker de Manuel Fernandes aqui recordado por Mário Jorge, que marcou o único golo desse jogo na primeira parte, antes de uma segunda parte louca em que ainda apontou mais um e deixou gente a pensar que eram repetições os golos que ia vendo.

E o 6-3 que na verdade é 3-6, a noite de 14 de maio de 1994  do hat-trick no jogo perfeito de João Pinto e do bis de Isaías, que recorda aqui como nem era para ser titular nessa vitória em Alvalade que lançou o Benfica para o título.

Por fim, a meia-final da Taça de 2008, o jogo que o Sporting virou de 2-0 para 5-3 em menos de meia hora, depois de uma conversa ao intervalo da qual Yannick já tinha contado ao Maisfutebol a frase que recorda de Paulo Bento. Derlei, que foi herói portista e ainda representou o Benfica, regressado nesse jogo de abril depois de uma lesão grave em setembro, conta mais sobre o jogo e aqueles 15 minutos de intervalo.

São, na sua maioria, dérbis com muitos golos, todos com muitas histórias. Vem aí mais um. Será que um dia vai entrar nestas memórias?

Década de 50:

Benfica-Sporting, 5-4 (Final da Taça de Portugal) – 1952/06/15

«Essa final da Taça no Jamor foi dos jogos que me deixou melhores memórias a mim e à rapaziada. 5-4! Marquei três! O Sporting marcava e nós marcávamos logo a seguir. O melhor foi o último golo, a uns 15 minutos do fim. O José Águas, meu grande amigo, passou-me a bola para a frente e eu que era muito rápido ganhei em velocidade a dois jogadores do Sporting e à entrada da área rematei para o golo da vitória. O árbitro apitou para o final logo a seguir. Foi uma alegria extraordinária dos adeptos do Benfica, que invadiram o relvado, como era hábito nessa altura. Vencer o Sporting, que era uma grande equipa, num jogo tão equilibrado e com tantos golos… No final, era toda a gente a saltar à nossa volta, carregaram-me em ombros para dar voltas ao campo… Não nos deixavam regressar ao balneário, no meio daquela festa, e a determinada altura eu já só lhes dizia: “Pronto, pronto, já chega. Tenho de ir embora para ir ao cinema com a minha mulher.” E eles: “Mais uma voltinha. Mais uma voltinha…” Era o que tinha combinado com ela. Não me lembro é do filme que fui ver.»

Rogério Pipi, 94 anos – Benfica

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Década de 60:

Benfica-Sporting, 2-4 (Liga, 6.ª jornada) – 1965/17/10

«Lembro-me desses quatro golos que fiz ao Benfica, mas o último foi o mais bonito: um chapéu do bico da área. Apesar de esse dérbi ter sido logo no início da época, acabou por ser importante para nos sagrarmos campeões em 1965/66. Nessa década foi assim: o Benfica vencia três campeonatos e nós vencíamos o seguinte. Após esse jogo, era só jornais a quererem entrevistar-me e a tirar fotos. Não guardei nada desse tempo, exceto um DVD desse jogo, com os golos, que entretanto consegui através da RTP. Recentemente, o Bruno de Carvalho pediu-me e eu ofereci uma cópia do DVD ao Sporting. Voltei a sagrar-me campeão pelo Sporting mais uma vez, mas a minha carreira acabou em 1972, quando ainda tinha um ano de contrato com o Sporting. Abandonei o futebol e fui viver para Angola por não querer combater na Guerra Colonial. Mais tarde, emigrei para o Canadá, onde trabalhei num edifício de apartamentos, numa casa de câmbios, na secção de carga da Sabena (companhia aérea belga). Regressei a Portugal em 1981 e ainda trabalhei na Securitas. Hoje, poucos se lembram desse jogo. Só os adeptos com 60 anos ou mais, talvez. Ainda assim, há dias, no Sporting-Real Madrid, alguém disse ao Butragueño o que eu tinha feito naquele dérbi e ele perguntou-me espantado: “Marcou quatro golos ao Benfica do Eusébio?!”»

João Lourenço, 74 anos – Sporting

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Década de 70:

Benfica-Sporting, 1-0 (Liga, jornada 16) – 1978/02/12

«Aquilo que recordo desse lance é um golo de grande execução técnica do Vítor Batista. Recebeu a bola no peito, com uma receção orientada, e depois atirou de pé direito. Fez um golo de bandeira, para a baliza sul. Ato contínuo, o Vítor ficou a olhar para o chão, no sítio em que estava. Tinha perdido o brinco e estava a tentar encontrá-lo. Contrariamente ao que se escreve normalmente, o jogo não esteve assim tanto tempo interrompido. Foi retomado. Naquela época, o Vítor Batista era o único jogador que usava brinco. E não era um pechisbeque, era um brinco a sério, de diamante. No final, ainda tentei que lhe dessem o dinheiro do brinco, porque o prémio de jogo não chegava, era demasiado baixo para o valor do brinco.»

Toni, 70 anos – Benfica

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Década de 80:

Sporting-Benfica, 7-1 (Liga, 14.ª jornada) – 1986/12/14

«Já passaram quase trinta anos, mas é claro que me lembro bem desse 7-1. Chegámos ao intervalo a vencer por 1-0, com um golo meu logo aos 15 minutos, mas na segunda parte veio a avalancha de golos e não abrandámos. Ainda fiz outro golo, mas nesse dia o Manuel Fernandes estava particularmente inspirado e fez um poker. Lembro-me de após o jogo haver gente incrédula com o resultado, a confundir os golos que passavam na televisão com as repetições. A essa euforia seguiu-se um período mau: fomos a Guimarães e perdemos num jogo com arbitragem muito polémica e estivemos cinco jornadas sem vencer. Hoje, ainda há pessoas a debater se teria sido melhor ganhar esse campeonato o golear o Benfica nesse jogo. A verdade é que campeonatos há muitos e esse 7-1 foi único. A tal ponto que trinta anos depois continuam a falar desse jogo. 14 de dezembro foi para mim ao longo dos anos uma data de felicidade por recordar esse jogo, porém, de há cinco anos a esta parte tornou-se também um dia um pouco triste, de sentimentos ambíguos até. Em 2011, precisamente neste dia faleceu a minha mãe.»

Mário Jorge, 55 anos – Sporting

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Década de 90

Sporting-Benfica, 3-6 (Liga, jornada 30) 1994/05/14

 

«Estive sempre em grande nesses jogos, as minhas recordações são também do 2-1 em casa, marquei o golo da vitória e fiz outros golos. Mas o 6-3…naquela época, o Benfica vivia um momento grande no que tocava à gestão, como toda a gente sabe. Mas fomos para esse dérbi com o escudo da águia ao peito! Tínhamos um coração gigante. Fomos a Alvalade, fizemos um grande jogo e iniciámos a conquista do título, que claro foi muito bem aceite. Só nós acreditávamos na vitória lá. Fala-se no João Pinto por causa dos três golos. É evidente que ele esteve em grande. Eu nem era para ser titular, mas disse ao Jesualdo numa conversa que esse jogo era para quem tinha co****s! Fiz dois golos e um grande jogo. Depois entrou o Rui Costa no meu lugar, porque me magoei. Analisando, o João Pinto fez um jogo enorme, eu também, mas a verdade é que fizemos todos! A diferença é esta. No futebol, em campo, pode fazer-se muita coisa. Mas se não se fizer golos, não vai aparecer no jornal. Contrariámos todos e isso foi o que me marcou mais dessa partida.»

Isaías, 53 anos – Benfica

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Anos 2000

Sporting-Benfica, 5-3 (Meia-final da Taça de Portugal) 2008/04/16

«Eu estava a voltar da lesão no joelho, era o meu primeiro jogo, estava de regresso seis ou sete meses depois. Estava apto mas não a 100 por cento, mas como era um jogo importante, conversámos, eu e o Paulo Bento, era mais uma questão psicológica eu estar. A equipa era bastante jovem. Tinha o Liedson, o Polga, o Tiago, mas a maioria era jogadores mais jovens. Combinámos que se eu jogasse seriam poucos minutos só. O Benfica fez 2-0 nos primeiros 30 minutos, apesar de a nossa equipa ter entrado bem e equilibrado o jogo. No balneário, os primeiros minutos do início do intervalo foram silenciosos. Depois nos últimos sete minutos o Paulo falou com um pouco mais de veemência. Nós os mais velhos transmitimos força, procurámos fazer com que os jogadores levantassem a cabeça. Falou o Liedson, falou o Tiago, eu também falei: «Pô gente, nós não jogamos só isso. Sabemos muito mais. Se tomámos dois golos também podemos fazer dois.» Tinhamos a nossa dignidade, não seríamos humilhados. Felizmente a segunda parte foi totalmente diferente. Logo nos primeiros 15 minutos pressionámos mais, as coisas mudaram por completo. Em 10 minutos fizemos três golos. Eu estava a aquecer, o Paulo chamou-me aos 10, 15 minutos da segunda parte, entrei e com um jogador a mais no ataque conseguimos pressionar o Benfica um pouco mais para trás. Conseguimos fazer o primeiro golo, o segundo, eu consegui fazer o terceiro. O Benfica ainda empatou, mas o jogo estava muito aberto e fizemos mais dois golos. Saímos muito fortalecidos não só pela final da Taça, mas para a parte final do campeonato, estávamos a lutar com o Benfica pelo segundo lugar.»

Derlei, 41 anos – Sporting