Formado em 1903 como um clube de ginástica, luta livre e halterofilismo, o Beşiktaş Jimnastik Kulübü não demorou muito tempo a impor-se como uma das instituições desportivas de referência da Turquia, sendo que para isso contribuiu significativamente a introdução do futebol entre as modalidades praticadas. Depois de mais de uma centena de anos de história, e apesar de manter a faceta ecletista, é realmente no desporto-rei que o emblema alvinegro se vai destacando, quer seja através de títulos, de contratações sonantes ou, sobretudo, do apoio fervoroso dos fanáticos adeptos.

Após se ter cruzado ao longo da última década com o FC Porto, Sporting, Sp. Braga e V. Guimarães, chegou a vez de o Besiktas se estrear em jogos frente ao Benfica e logo num duplo confronto no grande palco da Liga dos Campeões (o primeiro encontro será nesta terça-feira, na Luz; o duelo da segunda volta está marcado para 23 de novembro, em Istambul).

As expectativas estão naturalmente em alta nos dois lados da barricada: tanto Benfica como Besiktas chegam a esta Liga milionária com o estatuto de campeões dos respetivos países, reforçaram-se de forma condizente ao longo do verão e chegam à partida inaugural da Champions motivados pelos triunfos do fim de semana (os «encarnados» bateram o Arouca, o Besiktas venceu o Karabükspor).

Na realidade, e exceção feita à derrota nas grandes penalidades frente ao Galatasaray na Supertaça turca e ao empate no sempre difícil terreno do Konyaspor, o início de época do Besiktas tem sido interessante. Demonstra uma veia goleadora assinalável e uma margem de evolução considerável. Şenol Güneş, o experimentado timoneiro do campeão turco, tem à disposição um plantel credível, recheado de boas opções e claramente habilitado a disputar de novo o título a nível interno e com a expectativa de poder aspirar a um apuramento para os oitavos de final da Liga dos Campeões.

Para a presente temporada, o emblema de Istambul perdeu unidades decisivas na conquista do título da época passada, como José Sosa, Gökhan Töre ou Mario Gómez (em conjunto, produziram a impressionante marca de 43 golos e 19 assistências em 2015/16). Porém, as movimentações no mercado foram cirúrgicas e serviram para colmatar essas saídas: para a zona do meio-campo e ataque foram contratados Talisca e Aboubakar, por empréstimo de Benfica e FC Porto respetivamente, o incansável Gökhan İnler (ex-Leicester City) e ainda Ömer Sismanoglu, que regressou ao Besiktas depois de um período de empréstimo ao Antalyaspor.

Mas não foi apenas nos setores mais ofensivos que se registaram mudanças. Também no setor mais recuado se registaram saídas importantes: o lateral-esquerdo Ismail Köybaşı terminou contrato e foi recrutado pelo rival Fenerbahçe, sendo que as Águias Negras se «vingaram», contratando, também a custo zero, o histórico lateral-direito do Fener, Gökhan Gönül. O lateral-direito Serdar Kurtulus abandonou também o Besiktas, rumando ao Bursaspor, e o central espanhol Alexis foi vendido ao Deportivo Alavés. Para a defensiva, foram ainda recrutados os polivalentes Adriano (ex-Barcelona) e Caner Erkin, lateral-esquerdo emprestado pelo Inter de Milão, assim como o central Atinç Nukan, emprestado pelo RB Leipzig.

Uma equipa de ataque com problemas no setor mais recuado

ONZE-TIPO:

O Besiktas de Senol Günes é, por norma, uma equipa de vocação ofensiva, dinâmica, capaz de aproveitar ataques rápidos, transições ofensivas e bolas em profundidade. Estruturada habitualmente num 1-4-2-3-1 (que pode ser moldável, em circunstâncias excecionais, para 1-4-3-3, 1-4-4-2 ou 1-4-5-1), a formação campeã da Turquia tem conhecido diversas constituições iniciais neste arranque de temporada. Em quatro partidas oficiais, o treinador de 64 anos nunca repetiu um «onze». Normal, dirão muitos, face à multiplicidade de opções de que dispõe este plantel. Porém, essas mudanças são também reflexo de alguma indefinição na cabeça do próprio técnico, face às chegadas tardias de alguns reforços e à qualidade dos elementos já existentes no plantel.

Apesar das dúvidas em torno da equipa inicial para o encontro desta terça-feira, é possível delinear desde já alguns dos jogadores que irão fazer parte desse «onze». Na baliza, o experiente Tolga Zengin deverá ser o titular, apesar de no fim-de-semana ter jogado o reforço Fabrício. Na defesa, dúvidas sobretudo nas laterais, embora à priori o alemão Andreas Beck e o internacional turco Caner Erkin partam na pole position. O duplo-pivote do meio-campo poderá sofrer alterações. Günes tem optado por juntar um elemento com um perfil mais criativo a um homem que garanta maior equilíbrio defensivo. Porém, tendo em conta as especificidades deste desafio, é provável que até possa optar por juntar Inler e Hutchinson, retirando (ou neste caso, adiantando) o tal elemento de maior influência ofensiva. Na segunda linha do meio-campo, é de esperar que os virtuosos Quaresma e Olcay Sahan apareçam nas alas, com Cenk Tosun, avançado exímio a atacar a profundidade e com facilidade de remate (embora, por vezes, algo perdulário), a ser a referência na frente de ataque.

O Besiktas é uma equipa bastante intencional com bola, procurando explorar a verticalidade, criatividade e mobilidade dos seus atacantes. Muitas vezes opta por envolvimentos rápidos entre os homens do corredor lateral e das zonas interiores, com um dos médios do duplo-pivote e o médio mais ofensivo da zona central a terem um papel chave naquilo que é a distribuição de jogo. Perspetivando o jogo frente ao Benfica, Inler e Özyakup, ou Tolgay Arslan, poderão muito bem ser esses dois homens, até pela facilidade que têm em descobrir linhas de passe e em variar o centro do jogo. Com o envolvimento desses médios, as «asas» (entenda-se, Quaresma e Olcay Sahan) soltam-se e a equipa voa melhor.

Também é possível verificar em várias circunstâncias, a forma como os médios mais recuados (ou os defesas) buscam jogar mais longo para as movimentações de Cenk Tosun, avançado que recebe bem a bola por alto e que demonstra também sagacidade no ataque aos espaços.

Neste encontro, e face a um cenário de previsível domínio dos «encarnados», será expectável que o Besiktas opte muitas vezes por saídas rápidas. As bolas em profundidade serão, quer nos corredores laterais, quer em zonas mais interiores, um recurso importante, ao qual a defensiva benfiquista deverá tomar a devida atenção.

A nível defensivo, é percetível a maneira como o campeão turco procura várias vezes subir a linha do meio-campo, pressionando e tentando condicionar a saída de bola contrária. Porém, quando essa pressão/recuperação falha e a equipa adversária consegue suplantar linhas (algo que poderá fazer através de jogadas de entendimento em velocidade ou através de passes a queimar linhas), a linha defensiva fica algo exposta, descompondo-se em circunstâncias várias. Os laterais são essenciais, no equilíbrio entre o momento em que a equipa tem a bola e quando fica sem ela. Num jogo destas características, poderemos eventualmente assistir a um maior trabalho de apoio dos alas aos laterais no momento defensivo.

Senol Günes tem ainda trabalho pela frente naquilo que é a garantia dos equilíbrios da equipa quando não consegue reagir tão bem à perda ou nos momentos em que tem de assumir uma organização defensiva e não se sente tão à vontade. Porém, a problemática maior deste arranque de temporada tem sido as bolas paradas. Dos cinco golos sofridos esta temporada, quatro surgiram na sequência de lances de bola parada: dois na sequência de pontapés de canto, um na sequência de um livre lateral e outro depois de uma grande penalidade.

A forma como a equipa opta por uma marcação individual ou mista expõe-na a antecipações e às movimentações constantes dos atacantes contrários, ficando a ideia de que há ainda uma certa impreparação e detalhes a melhorar na forma como a equipa defende as bolas paradas laterais. Curiosamente, há vários jogadores com bom jogo aéreo no plantel do Besiktas, portanto o problema parece mais estratégico do que individual.

Esta poderá ser, sem margem para dúvidas, uma das armas do Benfica, equipa com reconhecido valor no aproveitamento das bolas paradas ofensivas (sobretudo, livres laterais e cantos).

A FIGURA: Oguzhan Özyakup

Médio criativo nascido e criado na Holanda (embora internacional pela Turquia) e com passagem pela formação do Arsenal, é uma das claras mais-valias do conjunto turco. Partindo de uma posição mais recuada ou jogando mais próximo do ponta-de-lança, revela-se um exímio criador de jogo, possuindo uma técnica apurada, boa visão de jogo e passe refinado. Envolve-se constantemente no processo de construção ofensiva e aparece também em zona de finalização, exibindo atributos no remate (e passe) com ambos os pés. Jogador para outras latitudes, continuará a espalhar magia por terras turcas (pelo menos até Janeiro!).