Paulo Pereira foi um dos rostos do F.C. Porto depois da gloriosa conquista da Taça Intercontinental, um defesa brasileiro que primava pela polivalência mas também pela garra e espírito de sacrifício, dois valores latentes na escola portista. Teve o condão de estar ligado a alguns momentos de sucesso no clube das Antas, mas também foi dos primeiros jogadores a trocar o símbolo do dragão pela mística do Benfica, a pedido de Artur Jorge, um treinador que confiava nele como ninguém. O ex-futebolista também vê nele o expoente máximo da sabedoria e ainda hoje o trata por «senhor».

Actualmente vive em S. Paulo, no Brasil, depois de pendurar as chuteiras há três anos, quando defendia as cores do Bragantino. É empresário de futebol, foi inclusive o responsável pela transferência de Orestes da Portuguesa Santista para o Belenenses, está a par e passo do que se passa em Portugal e não perde o contacto com alguns amigos de longa data. O mais fiel de todos continua a ser Aloísio, adjunto de José Mourinho, com quem teve o privilégio de jogar.

A pedido do Maisfutebol, Paulo Pereira recuou no tempo (tem uma invejável memória) e revelou algumas estórias de bastidores que fizeram as delícias dos clássicos de outros tempos. Na antecâmara de um sempre apetecível Benfica-F.C. Porto, o ex-defesa revelou alguns momentos que perduram na sua mente. Ele que teve o privilégio de jogar nos dois rivais: de 1988 a 1994 nos dragões - com uma passagem pelo V. Guimarães em 1992/93 - e de 1994 a 1996 nos encarnados.

Quando Pinto da Costa e Artur Jorge se zangaram

O melhor episódio foi na época 1989-90, quando os azuis e brancos colocaram o eterno rival a marcar passo na Luz: «Esse jogo foi no ano da remodelação feita pelo Artur Jorge. Éramos uma equipa jovem, mas conquistámos o título. Naquele jogo, demos um passo importante para conseguirmos o nosso objectivo, porque o empate (0-0) deixava o Benfica praticamente afastado. O Artur Jorge e o Pinto da Costa não gostaram, proibiram-nos de comemorar no relvado e mandaram-nos para o balneário. Queriam que tivéssemos um comportamento como se deixar o Benfica longe do título fosse uma coisa normal».

Foi nos vestuários onde a festa rebentou. «Ninguém ficou magoado. Todos os jogadores entenderam que tudo aquilo era uma estratégia», explica Paulo Pereira, que guarda na memória uma marcação impiedosa a Rui Águas, depois do ponta-de-lança se transferir das Antas para a Luz, no início da década de 90. «O Artur Jorge disse-me que a melhor forma de marcar o Rui Águas seria na base da provocação. Marquei-o piamente, não lhe dei espaços, disse-lhe coisas que hoje não me atrevo a repetir. Ficou tão desorientado que viu logo no início um cartão amarelo e praticamente não fez nada o jogo todo com medo de ser expulso», adianta.

Nos grandes jogos, o F.C. Porto transcendia-se e todas as estratégias contavam para a vitória ser uma realidade. Até atitudes aparentemente reprováveis. «Antes dos clássicos o Artur Jorge incutia uma mentalidade vencedora nos jogadores. Chegava a chamar-nos, um a um, ao seu gabinete. Quando o Gomes estava no Sporting, chamou-me a mim e ao Geraldão e pediu-nos as nossas chuteiras. Mostrou-nos os pitões e disse: `os pitões estão bons¿. Por isso, o Gomes não pode tocar na bola». A sede de ganhar ao Sporting e ao Benfica sempre foi muita.

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