O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que considera nulos os contratos entre Benfica e Olivedesportos sustenta que a empresa não pode comprar direitos televisivos e que, ao fazê-lo, violou a lei da concorrência. A sentença coloca em risco a actividade da Olivedesportos. 

A sentença da Relação segue, nos aspectos fundamentais, os argumentos sustentados pelo Benfica desde o início do processo e revoga a primeira decisão, tomada num Tribunal Cível de Lisboa, favorável à Olivedesportos. Este acórdão é claro ao referir que o empresa de António e Joaquim Oliveira não pode negociar direitos televisivos com os clubes, uma vez que não é uma televisão. 

Este argumento, que os advogados do Benfica defenderam desde o início, pode colocar em risco a principal actividade da empresa, a intermediação de direitos televisivos. A ser confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, órgão a que a Olivedesportos vai recorrer, esta decisão permitirá a qualquer clube colocar em causa os contratos assinados com esta empresa. 

Como o negócio de armas 

O Benfica começou por pedir à 6ª secção do Tribunal da Relação que se pronunciasse sobre a «impossibilidade legal do objecto». Dito de outra forma, o clube queria saber se a Olivedesportos, não sendo um operador de televisão, podia negociar direitos televisivos. 

A primeira decisão sustentava que, apesar de a actividade de televisão estar reservada, o mesmo já não acontecia «no que tange a transmissão de faculdades intelectuais, sendo que o direito ao espectáculo nasce na titularidade do autor e pode ser livremente transmitido a terceiros».  

No decisão ontem tomada pelo juízes desembargadores Urbano Dias (relator), Martins Lopes e Marcos Rodrigues, é recordado que «as estações emissoras de radiodifusão e radiotelevisão só podem funcionar mediante licença a conferir, por concurso público, nos termos da lei». A actividade de televisão, com excepção de serviço público, «carece de licença, a conferir por concurso público». O que a Olivedesportos, manifestamente, não fez prova de possuir. 

Apesar de titular dos direitos, o acórdão considera que «o Benfica nunca poderia vender os direitos televisivos relativos aos jogos de futebol a uma entidade que não está devidamente licenciada por tal». Na página 49 da sentença, os juízes utilizam um exemplo para vincar este ponto: «O caso é similar, a nosso ver, com o negócio de armas: o armeiro só pode vender certo tipo de armas a quem estiver devidamente licenciado para o efeito». 

Como as normas que regulam a actividade televisiva são de carácter imperativo, «os contratos celebrados entre o A. (Benfica) e a R. (Olivedesportos) são nulos», porque contrários «não só à própria Constituição, como também à lei da televisão». 

Na página 53, os juízes são definitivos. «O objecto de tais transacções constratuais é, portanto, ilegal, o que fere de nulidade as mesmas, de acordo com o preceito legal supra referido». 

Direito desportivo contrariado 

Resolvida a favor do Benfica esta questão, os juízes abordam outro dos pontos reclamados pelo clube: o facto de, por contrato, o Benfica estar forçado a votar favoravelmente às posições da Olivedesportos na Liga constitui afronta à ordem pública? 

O tribunal de primeira instância achou que não. A Relação revogou essa posição. «Houve nítida afronta à ordem pública quando os contratos foram celebrados», escrevem na página 55, citando Meneses Cordeiro: «São contrariadas, no seu espírito, as mais diversas normas do Direito Desportivo», para concluírem que é «atingida, com gravidade, a deontologia desportiva (bons costumes) e as regras que jamais a autonomia privada poderia pôr em crise (ordem pública)». 

Regras da concorrência violadas 

O último ponto abordado na sentença diz respeito às leis da concorrência. Ao considerar que a Olivedesportos não podia negociar direitos televisivos, a Relação tornava nula a primeira decisão. Apesar disso, os juízes decidiram responder a todas as questões levantadas pelo Benfica. A da concorrência era uma delas. 

A primeira sentença defendia que não era no momento da celebração dos contratos entre Olivedesportos e os diversos clubes que se produziam os efeitos nocivos denunciados pelo Benfica, mas sim num segundo momento, em que a Olivedesportos transmitia a um operador de televisão. 

A Relação considerou esta perspectiva «distorcida» e afastada «da verdadeira realidade dos factos». Para estes juízes não existem dúvidas de que «a sentença recorrida ao não considerar como nulos os contratos celebrados entre A (Benfica) e R (Olivedesportos) violou também os preceitos legais supra referidos e relativos às regras da concorrência». 

Abuso de direito 

Apesar de a Olivedesportos não ter falado no tema, a Relação decidiu avaliar se o Benfica, ao denunciar os contratos, não incorreu em abuso de direito. Dito de outra forma, os juizes quiseram perceber se os dirigentes do Benfica não assinaram um contrato, usufruindo dele, pensando depois em quebrá-lo. 

Depois de exporem diversos argumentos, os juízes optam pelo não. Por duas razões principais: a direcção que assinou os contratos com a Olivedesportos é distinta da que os denunciou e, sobretudo, depois de ter decidido romper com a empresa, o Benfica demonstrou sempre disponibilidade para acertar contas, restituindo o que fosse provado ter sido recebido a mais. 

Apesar de a Relação entender que o Benfica não incorreu em abuso de direito, o acórdão considera que algumas atitudes da direcção de Vale e Azevedo neste processo não foram conformes «com os princípios éticos». 

O Benfica arguiu também nulidades no processo e na sentença, que a Relação considerou não terem existido. 

Tudo somado, a decisão é clara: os contratos entre Benfica e Olivedesportos são nulos, sendo por isso revogada a primeira decisão, favorável à empresa. Resta à Olivedesportos recorrer para o Supremo, o que os seus advogados já decidiram fazer.