O rapaz introvertido e de poucas palavras vinha de longe. Foram quase 300 quilómetros da zona da Grande Lisboa até Santa Maria de Feira, onde ia tentar a sorte nos treinos de captação do Feirense.

Adolfo Teixeira, então treinador dos juniores da equipa conta a história, não só não se esquece daqueles três dias com Rafa como os recorda com um nível de detalhe notável. «No terceiro treino, ele levou uma camisola do Ajax, porque o Feirense não dava equipamentos nas captações. Eu converso muito com os miúdos que passam a seniores de primeiro ano e ele estava à minha beira a observar. Toda a gente me dizia: ‘Este menino tem de ficar, é qualquer coisa fora o normal’», recorda ao Maisfutebol.

Rafael Alexandre Ferreira da Silva jogou que se fartou. O passo seguinte era convencer o presidente do clube, Rodrigo Nunes, a disponibilizar alimentação e estadia àquele miúdo de 18 anos vindo de fora.

Não foi fácil. Ainda foi treinar um dia ao V. Guimarães e depois ao Boavista, mas acabou mesmo por regressar ao Feirense, onde lá conseguiram arranjar-lhe um apartamento no qual ficou com mais três ou quatro rapazes, todos mais novos do que ele. «Eu chamava-lhe o pai dos meninos. Ele já não estudava, os outros estudavam todos e ele é que tomava conta deles. Dizia-me: ‘Oh mister. Eu é que os levo à escola e vou buscá-los», conta Adolfo Teixeira, que jantava muitas vezes com Rafa depois dos jogos e sugeriu que o mantivessem ocupado durante o dia no clube: «Ficou na secretaria. Era ele quem ia ao correio e essas coisas todas. Fui mais do que um pai para ele. Sempre o acarinhei.»

«Toda a gente me dizia: ‘Este menino tem de ficar, é qualquer coisa fora o normal’», conta Adolfo Teixeira, treinador que apostou nele nos juniores do Feirense

O treinador, de 50 anos, fala com orgulho indisfarçável do rapaz que foi seu pupilo durante aquela época de 2011/12 e que chegou a sugerir a Pedro Martins, numa altura em que o agora treinador do V. Guimarães ainda estava no Marítimo, «Depois de um jogo, estávamos a conversar e disse-lhe: ‘Oh Pedro! Não me digas que não consegues meter este menino pelo menos no Marítimo B’. O que é que ele me disse? Que o Rafa tinha um potencial acima do normal, mas o certo é que nunca entraram em contacto com ele…»

Rafa ficou no Feirense, mas não por muito tempo. Fez apenas uma época de sénior no clube de Santa Maria da Feira. Começou por ser opção sob o comando de Henrique Nunes, o homem que o lançou no futebol profissional e que o pôs a titular em duas das três primeiras jornadas da II Liga, antes de ser despedido. Poucas semanas depois, viria a ser treinado por Quim Machado, entretanto de regresso ao Feirense. «Passado uma semana a treinar com ele, vi logo que ia atingir um patamar elevado», disse em junho durante uma entrevista ao Maisfutebol.

Atingiu esse patamar no Sp. Braga. Em março de 2014 cumpriu a primeira internacionalização A, num particular frente aos Camarões. Já leva nove, foi convocado para o Mundial 2014 e para o Europeu de França, onde cumpriu apenas alguns minutos no jogo com a Áustria, a contar para a fase de grupos.

Sempre teve o sonho de chegar mais alto do que toda a gente: era muito ambicioso, mas no bom sentido. Sabia que não pagava nada por sonhar», conta Paulo Robles, que treinou Rafa nas camadas jovens do Alverca.

Rafa, rapaz tímido e reservado (é assim que o descreve quem o conhece), sobe agora mais uns degraus na escadaria da ambição. O médio internacional acaba de protagonizar a contratação mais cara entre clubes nacionais: 16 milhões de euros. A SAD dos encarnados antecipou-se ao FC Porto e, ao que parece, o Sporting ainda chegou a tentar o jogador. Tudo parecia estar fechado até que uma comissão reclamada pelo empresário António Araújo arrastou o desfecho do negócio até às últimas horas de mercado.

Paulo Robles, treinador de Rafa em 2010/11, último ano do agora reforço do Benfica nos tempos do Alverca, fala no concretizar do sonho de um jogador que, recorda, já naquela altura se destacava. «Distinguia-se por ter uma inteligência acima da média. Tinha facilidade em entender a nossa mensagem. Sempre teve o sonho de chegar mais alto do que toda a gente: era muito ambicioso, mas no bom sentido. Sabia que não pagava nada por sonhar. O que está a conseguir é o fruto do sonho que sempre seguiu», conta ao Maisfutebol quem o conhece desde praticamente os primeiros tempos no emblema ribatejano, onde Rafa esteve entre 2004 e 2011.

O treinador recorda que as boas exibições, na 2.ª divisão de juniores, chamaram a atenção de dois clubes de Lisboa, então na 1.ª divisão daquelas camadas de formação. Revela apenas o nome de um deles: Sacavenense. «Conversei com ele e disse-lhe que, na minha opinião, os tipos de campo não reuniam as melhores opções para ele se desenvolver. Ele teve capacidade para ouvir-me, com outro jogador talvez fosse diferente. Resolveu sair claramente da zona de conforto. Estava num curso profissional, tinha uma relação espetacular com os pais, mas foi para o Feirense.»

Naquela última época, a nova coqueluche dos tricampeões nacionais jogou 80 por cento das partidas a extremo esquerdo e direito (nas restantes atuou como segundo avançado). Polivalência no ADN de um jogador que, diz-se, não tem «golo», opinião que Paulo Robles rebate em parte. «Fez imensos golos, até de cabeça. É verdade que tinha pouca frieza na zona de finalização, mas a sua velocidade permitia-lhe desembaraçar-se dos defesas e aparecer muitas vezes isolado. Pode parecer um contra-senso, mas digo-lhe que ele tem muito mais golo do que tem demonstrado», garante Paulo Robles.

«Falta-lhe a finalização: acho que tem de ser mais frio. Ele isola-se facilmente, cria desequilíbrios e tabela bem. Mas, na última decisão dele, no drible, no remate ou no passe, as coisas não estão a sair», constata Adolfo Teixeira, que não o vê como um backup de Jonas para o ataque. «Para aí não digo muito. Mas tanto pode jogar por dentro como pelos corredores. Acelera facilmente e vai ter oportunidade. Rui Vitória gosta de jogadores versáteis e vai tirar o melhor proveito dele. O futebol do Benfica favorece-o. É uma equipa objetiva e o Rafa, com o seu poder de explosão, será útil.»

Marcou ao Benfica na época passada, nas meias-finais da Taça da Liga: águias venceram por 2-1

Mas, para convencer Rui Vitória a dar-lhe um lugar no onze, Rafa terá de ganhar a corrida à concorrência num plantel de quem se diz ter excesso de jogadores para a posição que ocupa. «Não deverá ter muitas dificuldades», projeta Paulo Robles. «É um jogador que vai estar muito sujeito a pressão nos corredores, mas que aparece bem no jogo interior. Terá mais facilidade do que neste momento existe. Não será uma peça estranha.»

Estranho… estranheza! Foi isso que sentiu Quim Machado em 2012/13, quando deu seguimento à aposta inicial de Henrique Nunes. «Lembro-me de dizer a pessoas amigas e do mundo do futebol como é que era possível FC Porto, Benfica e Sporting não darem o primeiro passo para o contratarem.»

Não deram, mas não terá sido por desconhecimento absoluto. Antes por duvidarem do potencial. Quando era iniciado, chegou a tentar a sorte em Alcochete, mas regressou à base. «Os olheiros do Benfica também o observaram várias vezes em jogos», revelou ao DN o vice-presidente do Alverca, Luís Trincalhetas.

Em 2013, o Sporting demonstrou mais interesse, mas acabou batido pelo Sp. Braga na corrida pelo jovem avançado que tinha acabado de se sagrar, a par de Jorge Gonçalves, o melhor marcador do Feirense na II Liga, com dez golos.

Agora, Rafa é reforço do Benfica. Povoense, Alverca, Feirense, Sp. Braga e Benfica. A vida não lhe indicou atalhos.