*com Nuno Travassos

Benfiquista desde pequenino. Bernardo Silva enquadra-se na lógica mas ultrapassa-a. Também é pequenino desde sempre e esse tem sido o principal obstáculo no seu processo de formação. O Benfica esperou, deu-lhe todo o tempo do mundo. Valeu a pena.


«O que mais chama a atenção é a alegria que tem em jogar futebol. Parece um jogador de rua, a bola sempre por perto e ranho no nariz, com tremenda paixão pelo jogo. Parece mesmo que a bola faz parte do seu corpo». A descrição de Pepa, em conversa com o Maisfutebol, é encantadora. Claro que a referência ao ranho no nariz é apenas uma força de expressão.

Bernardo Silva conquistou o seu espaço na equipa B do Benfica e foi eleito o melhor jogador do mês de outubro na Liga de Honra. Aos 19 anos, chegou a sua hora.

Os adeptos que acompanham as camadas jovens do clube deixaram-se encantar pela magia daquele pé esquerdo. Porém, nem sempre houve espaço para o médio ofensivo. Era o mais pequeno do grupo, talentoso mas franzino. Ainda é, aliás.

«Ele teria sete anos quando chegou ao Benfica. Inscreveu-se na escola de futebol e lembro-me que tínhamos de observar todos os miúdos para escolher aqueles que fariam parte da seleção de 94, os que iriam competir», recorda Helena Costa, primeira treinadora do jovem no clube.

Último dia no processo de seleção. De repente, o olhar prende-se em Bernardo Silva. «Era um processo de duas semanas e aquele era o último dia. Achávamos que não íamos encontrar mais ninguém. Mas lembro-me de estar a olhar para o campo e ver um miúdo pequeno, de cabelo comprido, a fintar toda a gente com aquele pé esquerdo.»

«Ficou connosco e desde esse dia teve de adaptar-se. Era baixinho, teve de sofrer muito para aprender a compensar isso, a evitar o choque, a pensar antes de todos os outros. Cresceu a jogar com miúdos que, em alguns casos, tinham quase o dobro do tamanho», resume a treinadora portuguesa.

«Sofria com os erros e derrotas, chorava até»

Helena Costa não esquece duas marcas salientes em Bernardo Silva: o seu talento inato e o seu benfiquismo. «Antes de mais, era impossível não ver o seu talento natural. É algo que nasceu com ele. Depois, é de facto benfiquista desde pequeno. Tanto que vivia muito os jogos, comemorava os golos como se fossem dele e sofria com os erros e as derrotas, chorava até, mesmo que não tivesse culpa.»

«Fico feliz por o ver a este nível. Cresceu nos aspetos que precisava mas manteve o talento. É justo dizer que os pais também foram importantes, porque sempre viveram a paixão dele mas de forma saudável, sem pressionar. É um jovem equilibrado, muito inteligente e acredito que em breve estará ainda num patamar mais alto», conclui, em diálogo com o  Maisfutebol.

Bernardo foi progredindo nos escalões de formação do Benfica sem se assumir como um indiscutível. A falta de capacidade física prejudicava-o. Para além disso, crescia como número 10 mas enfrentava uma concorrência forte. Teve de competir com talentos como Rony (Manchester City), Diego Lopes (Rio Ave) ou Guilherme Matos (Beira Mar). Este último, aliás, salienta a evolução do seu antigo suplente.

«Entre nós era o Cabeças»

«Joguei cinco anos com ele, jogávamos na mesma posição e ele era suplente. Só começou a jogar nos juvenis. Entretanto eu saí para a U. Leiria, por opção minha, e ele evoluiu bastante. Na altura era o mais pequeno de todos, não ganhava uma bola, não saltava, tinha medo dos duelos», recorda.

Um talento enorme num corpo pequeno. «Entre nós era o Cabeças. Tinha uma cabeça grande para o corpo e, mesmo não saltando à bola, gostava muito de usar a cabeça. Lembro-me do futevólei, em que isso acontecia muito. Era ele e o Ricardo Horta, que agora está no V. Setúbal. Eram os mais antigos no clube mas apareceram mais tarde, na altura eram pequenos.»

«É muito benfiquista, tal como o Horta. Ficavam chateados quando perdíamos, sentiam muito aquilo. O Bernardo, aliás, chegou a pagar para jogar no Benfica, quando entrou para as escolas. Mas sempre se viu que tinha um talento enorme. Tecnicamente, sempre foi dos melhores. Tem evoluído muito nos outros aspetos e é dos melhores da equipa B. Vai dar grande jogador», remata Guilerme Matos, ao Maisfutebol.


«Ao Rui Costa aconteceu o mesmo»

Pepa foi confrontado com o talento nos juniores do Benfica. Antigo avançado do clube, o técnico está agora na Sanjoanense mas não esquece aquele pé esquerdo. «Na formação, sobretudo até aos juvenis, a capacidade física faz muita diferença. Ele tinha dificuldades nesse aspeto e por isso começou a dar nas vistas mais tarde.»

«Nos juniores e seniores, o futebol é diferente, há mais espaço para jogadores com qualidade técnica. Depois, há jogadores que crescem mais tarde. Uns dão um salto aos 15 ou 16 anos, outros demoram mais. É o caso do Bernardo, entre outros. Ao Rui Costa aconteceu o mesmo», lembra.

Os responsáveis do Benfica acreditavam no potencial do jovem. «Se as coisas não fossem pensadas, se não vissem o talento dele, já o podiam ter mandado embora. Deram-lhe tempo, tiveram paciência e colhem agora os frutos.»

Bernardo Silva «começou a soltar-se nos juniores». Ainda assim, na época passada, não entrou nos planos na equipa B do Benfica e subsistiam algumas dúvidas sobre a sua capacidade de afirmação. Porém, as esferas mais altas mexeram-se e seguraram o jogador, acreditando no seu potencial.

Em novembro de 2012, o esquerdino assinou contrato profissional e justificou a aposta. Cresceu a um ritmo considerável, fazendo um Europeu de sub-19 a grande nível, cativando os observadores.

No regresso à Luz, ganhou espaço na formação secundária e chamou a atenção de Jorge Jesus. A 19 de outubro, foi suplente utilizado em Cinfães, para a Taça de Portugal. Dez minutos apenas para preparar o futuro.

«Está a ganhar quilómetros, como se costuma dizer. Vai continuar a crescer e quando tiver oportunidades, vai agarrar, não tenho dúvidas. Alia o talento incrível a uma inteligência muito acima da média. Dou-lhe nota 20 pela inteligência em campo», avalia Pepa.

FC Porto e Sporting, um não para toda a vida

Para já, Bernardo Silva vai apresentando o seu repertório na equipa B. Joga como dez, um elemento solto nas costas do avançado, ou partindo de um flanco. «Do meio-campo para a frente, pode fazer qualquer posição. Arranjou estratégias para compensar o aspeto físico e habituou-se a reagir milésimos de segundo antes dos outros. É um fora de série.»

«Sobretudo, o que encanta nele, repito, é a alegria em jogar futebol. Seja nos treinos, no exercício mais simples, como no jogo mais importante. Respira futebol, vive para o jogo e adora o que faz», remata Pepa.

A colagem a Rui Costa, pelas semelhanças no processo, é natural. Depois, há quem o compare a um argentino. «Temos um Messizinho lá no Seixal», disse Chalana, recentemente. Acima de tudo, um benfiquista desde pequenino. A valer. Quando lhe falaram no FC Porto e no Sporting, respondeu sem ponta de dúvida.

«Acabaram de dizer os dois únicos clubes em que me recuso a jogar em toda a minha vida por mais dinheiro que ofereçam». Palavra de Bernardo Silva.