O raio do quadrado da hipotenusa é igual à soma do raio dos quadrados dos ridículos catetos. Ou a irracionalidade de Pi com, pasme-se, 52 casas decimais. 3,141592-e-mais-o-raio-que-o-parta... Havia alguma necessidade? Quando o dr. Jones chegou ao 52º número depois da vírgula, deve ter gritado basta! assustando a mulher que dormia profundamente. É melhor parar por aqui antes que se me acabe o papel, porque já estou a escrever nas margens. A relação entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro. Ou vice-versa. Ou nada disso. 52 casas decimais! Se é uma circunferência por que não podiam arredondar?

3,14159 26535 89793 23846 26433 83279 50288 41971 69399 37510 58209 74944 59230 78164 06286 20899 86280 34825 34211 70679 82148 08651 32823 06647 09384 46095 50582 23172 53594 08128 48111 74502 84102 70193 85211 05559 64462 29489 54930 38196 44288 10975 66593 34461 28475 64823 37867 83165 27120 19091 45648 56692 34603 48610 45432 66482 13393 60726 02491 41273

Afinal, a coisa continuou para outros. Se estiver mal, editem a Wikipedia, que não tenciono provar a veracidade de tal máxima. Há outras bem mais interessantes.

Pi, isso! Afinal, quando o descobrimos, já era mais do que aquele barulho irritante que não nos deixa ouvir o que os outros cospem, vociferam, mas que existe, é real. Aquilo que não podemos dizer, ou malagueta na língua. Castigo na certa! Aquilo que todos dizem, mas que querem que achemos que não. Há tanta coisa pior! Pelo menos num mundo em que, muitas vezes, é feio e cruel, e os maus (ou menos bons) acabam por ganhar. Não nos filmes de cowboys, claro, porque seria impossível.

São coisas estranhas as que aprendemos quando novos e que se tornam ditados que nunca mais esquecemos. Mesmo que, por várias vezes, tenhamos de franzir com força o sobrolho para empurrar para o frontend (haverá expressão com tradução mais ridícula?) da nossa memória o seu verdadeiro significado. E que os usemos mesmo quando nada o justifica.

Aqui, paro, penso. Faço a minha esfíngica pose de pensador e solto:

Se Simeone é capaz de ser um gentleman, então tudo no futebol é possível!

Gel no cabelo, desbravado em linhas paralelas para trás, por um pente de dentes largos. Seria de esperar algo diferente: um sotaque arrastado, o olhar rasgado, uma crítica solta à frente de um sorriso malicioso. A fúria a crescer atrás da língua. Só que as palavras saem naturais, polidas, inocentes, capazes de nos convencer a entregar-lhe a mão da nossa filha ou a emprestar-lhe todas as poupanças que ainda imaginamos que temos, para o transplante do irmão mais velho que nunca teve. A manha, essa, terá ficado no campo, ou nas botas que deixou penduradas no balneário, entre a lama e relva. A agressividade, o temperamento. O incansável Cholo, o voraz Cholo, o capaz-de-qualquer-coisa Cholo. Criado para lutar. A vida é ganhar coisas, sempre disse.

E, hoje, calmo. Ambicioso, sim. Mas leve. Sem as chuteiras, sem os calções, sem o poder ir lá para dentro e preencher os espaços que os seus jogadores deixam vazios. Como se lhe tivessem esvaziado o interior, e preenchido com outras entranhas. Com outros huevos. Sem se irritar, sem gritar, sem desesperar. Dando lições a todos, sem a prepotência de um professor.

Se Simeone é mais gentleman que Mourinho tudo é possível no futebol!

Tudo é possível. Não só o que cabe em Pi nas circunferências da cancha ou no raio dos catetos, onde quer que os haja. Não só o que é regra. Ou lei. Ou algo que tenha pretensões a isso. No futebol tudo era possível até aqui, mas havia a alínea, em letras pequenas como nos contratos com os bancos: 

(...)
a) excepto que Simeone alguma vez seja um gentleman;
b) excepto que Mourinho reconheça que perdeu bem, sem a responsabilidade do árbitro;
c) excepto que Messi ou Guardiola sejam considerados alguma vez os maus da fita
(...)

E nós somos o vendedor que lhe entrega as chaves do carro para um
test-drive a solo. E, se for ele a querer vender-nos a própria mãe, nem ligamos para as cláusulas de incumprimento do que assinamos. Ou sequer perguntamos pela garantia. Confiamos. Um dia, não tão distante assim, Martino ou Ancelotti ainda vão ser mais vilões do que ele. Vai uma aposta?   

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«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol. Pode segui-lo no  FACEBOOK e no  TWITTER. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.