O futebol português não seria o mesmo sem Jesus.

Sem o mascar da chiclete, o empurrar dos cabelos brancos para trás e aquele som irreproduzível em texto feito com a língua nos dentes, com que remata praticamente todas as respostas que dá.

Não seria igual sem a arrogância do seu futebol, que também é a sua. Um futebol feito de um só ego, grande claro, um futebol de assinatura, e que tem, como todos, qualidades e defeitos.

Um ego, que dificilmente divide as conquistas com outros, mas que não aceita que o responsabilizem nas derrotas. Um eu que raramente se engana e nunca tem dúvidas. Como o outro, se bem se lembram. E um eu teimoso, que já dificilmente aprende com os erros. Não é um eu-novo, que propriamente esteja disposto a isso.

Jesus chegou a tempo de ser grande, mas terá falhado no timing para tornar-se enorme. Já é um produto acabado, e talvez não o devesse já ser. Embora não haja como não sê-lo.

É também um futebol feito de intensidade, de vertigem, de atitude. De peito-feito. Um futebol de palito no canto da boca, gingão, mas que entusiasma. Que ganha muitas vezes. Embora também nem sempre atinja a plenitude nos resultados.

Um estilo que ganha e perde da mesma forma, com estrondo.

Jesus criou-se a si mesmo, foi maturando ideias. Ensinou-se a si próprio, aprendeu sem estudar. Teve na vida o professor mais-que-tudo.

Inventou-se de alto a baixo e de tal maneira que acredita que também inventou grande parte do jogo, pela dificuldade que tem de sair de si mesmo. Coentrão, por vezes Peixoto, muitas Enzo e Matic deram-lhe razão. Não a teve em outros que avaliou antes de contratar, de ambos os lados da Segunda Circular.

Falhou ao ver o potencial de jovens que hoje jogam e espalham classe pelos grandes palcos, e é difícil – perdoem-me, não consigo! – imaginar Bernardo Silva como lateral-esquerdo. Ou então que fosse apenas uma má anedota, dita com a audiência stand-up num silêncio insultuoso, tal como é agora uma péssima piada ver Chico Geraldes exilado na B, enquanto não valorizam a inteligência que lhe sai em torrente dos pés.

A Jesus, a quem dá gosto ouvir falar de bola, ninguém ensinou o impacto que um discurso demasiado cru, banhado da sinceridade da sua própria arrogância – que nem sempre é má, sublinhe-se –, pode causar dentro e fora. Deixam-lhe marcas, são rugas que se acrescentam na face.

As consequências, a partir de certa altura, deixaram de ser as mesmas. Tal como a exposição. Ninguém o ajudou a completar-se na caminhada que fez sozinho, ninguém lhe disse como tornar-se completo. Tridimensional, se quiserem.

É verdade que Jesus ensinou-nos muito, seria injusto não reconhecê-lo. O futebol-cá-do-burgo terá certamente um antes e um depois de Jesus. É seu um lugar importante na história pelo que fez e ainda irá fazer.

Talvez, apenas talvez, não tenha ensinado tudo que acredita que ensinou, e sobretudo houve coisas que o jogo só por si não conseguiu ensinar-lhe a ele.

Vai, Bas, tu bates bem!

«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.