Boas gargalhadas dei à sua conta, confesso. Fosse por causa de Mark Knopfler e do plantel já completo, ou pela garrafa atirada, mira feita ao vasilhame na borda da estrada, enquanto conduzia o bólide de empresário de sucesso e dava, ao mesmo tempo, uma entrevista a uma rádio.

Carlos Xavier e Oceano estão a caminho de Espanha, mas podem esperar. Já ninguém quer saber quando solta os primeiros insultos a si próprio em directo, a explicar, desolado, o que acaba de fazer. Garrafa vazia atirada, vidro fechado e o resultado inevitável, em cacos. Os insultos, em jeito de lamento, tornam ainda mais delicioso o episódio

Que ganda porra, pá! É que é preciso um gajo ser estúpido!

Sousa Cintra é, acredito, um tipo porreiro. Digo acredito, porque falo de cor. Não o conheço, apenas cruzei com a personagem em todos os meios de comunicação. Arrisco porque, mesmo assim, não devo enganar-me por muito. Sempre o vi como alguém genuíno, sem filtro e, se assim é, não há como julgá-lo da mesma forma.

Tenho dúvidas de que tenha sido bom líder, mas não porque não tenha querido. Apenas o entusiasmo não chegava para tudo. Foi, como presidente, um tipo porreiro, e isso tem também o seu valor, porque há tantos que não são nem uma coisa nem outra. Infelizmente.

Hamilton Souza é o Careca-craque que chega do Cruzeiro. Para o imperador das águas, o internacional brasileiro não engana: é, nada menos nada mais, que metade Eusébio e metade Pelé. A apontar ao topo, portanto.

Como não posso julgá-lo como aos outros, digo apenas que Sousa Cintra tinha razão, mas teve azar: ficou com as piores metades de cada um e deu flop.

O bom tipo não desiste, e ainda tenta puxar pelos genes de craque do corpo molengão do brazuca. Antes de um jogo da Taça UEFA, ainda lhe exige, em pleno balneário, a mais simples das missões: «Tens de mostrar a estes gajos que não és merda nenhuma.» Sem filtro.

Sousa Cintra, o homem que viajou para o coração de uma Jugoslávia dilacerada pela guerra para tentar contratar Pandev, era assim. Puro. Entusiasmado. Pouco lúcido, mas genuíno. Ninguém lhe pode levar a mal.

Agora, acompanhem-me até Mbappé.

É essa pureza que reclamo. Uma pureza que nada tem que ver com Eusébio e Pelé, porque também poucos pontos em comum tenho com Sousa Cintra.

Olho para o puto e decalco dali, permitam-me, a potência, as fintas de corpo e o arranque do Fenômeno, misturados com o jeito, o toque e o pisar de Henry. É impossível não ver, não comparar, não achar que está provavelmente ali o maior candidato à sucessão de Messi e Ronaldo. Exagero? Hoje, claro que sim. Amanhã veremos.

Percebo que o campeonato francês não seja muito atraente ou até exigente, que a idade obriga a que nos contorçamos antes de soltar uma opinião definitiva, mas, aos 18 anos, já é maior do que qualquer sombra. Não são só as parecenças, os jeitos de Ronaldo, que divide com o brasileiro, já faz parte de si um pouco da alcunha. Mbappé é também um fenómeno.

É olhar para ele quando assume a bola e parte para a baliza. Estão a ver?

Metade Ronaldo, metade Henry, mas feito a partir das melhores partes. É que é preciso um gajo ser estúpido! 

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.