Quando penso no treinador ideal, a mente dá-me a volta e uma volta a si mesma, bascula e aterra sempre em Pep.

Sei que não é raio que cai à sorte, mas também não será apenas por força das suas inequívocas qualidades. É, sim, parece-me, culpa das imperfeições. Não há dúvida de que é, muito provavelmente, o modelo que a maioria quer imitar ou seguir, mas não tem de ser por aí.

Guardiola deixará legado, não me interpretem mal. Inspirará muitos para lá do seu tempo, como Cruijff inspirou outros e o modelou, qual argila entre as mãos, a si.

Se a carreira tivesse terminado ontem já o teria feito, o amanhã será o bónus. Um que ainda pode ser bem generoso.

É seu o Barça que inspirou a Espanha campeã europeia e mundial, é igualmente seu o Bayern-alma da Weltmeisterin de 2014. Não há quem tenha maior peso no futebol moderno.

Só que Pep é, como todos nós, embora talvez um pouco menos, imperfeito. Especial, excêntrico, e dono da Ideia, claro. Um experimentalista, de olhar perdido nos tubos de ensaio que aquece no bico de Bunsen, e por isso também por vezes frio, incapaz de lidar com personalidades também especiais.

Ibrahimovic faz questão de lembrá-lo desse defeito a cada instante.

Mas não só.

Pep também atravessa desertos, incapaz de ligar equações, chegar a restos zeros e gritar eureka!. Pode ficar longos tempos sem saltar e bater com os dois calcanhares no ar.

Depois do fracasso continental com um Bayern tão dominador como anteriormente a nível interno, chegou ao City e também não ganhou, aqui mesmo apenas localmente.

Inspirou a Mannschaft sim, mas não viu coroada a sua própria ideia quando a usou fora do Camp Nou, e na Premier, venceu Conte, e à primeira, acabado de chegar do Euro-2016. Se o italiano festejou, Pep teve de engolir em seco o terceiro lugar, e voltar a ir ao bolso. Mais de 450 milhões depois, tem finalmente a equipa de luxo que pode reproduzir, traduzir para o campo, o que lhe vai na cabeça.

Guardiola é, afinal, humano e também precisa dos melhores para vencer.

Uma equipa, ao longo de uma época, necessita de vários treinadores, dificilmente apenas de um, embora esse um, qualquer que seja o perfil que tenha e mediante determinada conjuntura, possa bastar-lhe.

Muitas vezes, a equipa carece de um Pep que olhe para o mal de Sterling e o corrija.

Outras de um Guardiola que saia do laboratório para explicar a um Ibra-da-vida o que realmente pretende.

Um que assuma as dores dos jogadores para protegê-los, outro que reinvente exercícios, ou pare o treino, destrua más rotinas e crie novas. De alguém com discurso marca-branca, uma linha horizontal monocórdica que não influencie humores ou génios. Ou ainda de quem dê murros na mesa, cuspa adrenalina em cada palestra, e faça os jogadores acreditarem ainda mais em si.

Alguém que se sente na primeira conferência e diga que vai ser de certeza campeão, e o seja no fim para que mais ninguém o esqueça e lhe alimente a lenda. De um que olhe para dentro para solidificar o seu jogo, mas também do seu negativo, que olhe para fora, para os outros, a fim de derrotá-los.

Em Portugal, FC Porto, Sporting e Benfica têm treinadores diferentes e, tal como Guardiola e todos os outros, imperfeitos.

Sim, imperfeitos. É assim tão grande novidade?

As equipas são também elas muito diferentes, e o que precisaram até aqui também. A época ainda está fresca, e o sucesso, esse que todos procuram, estará muito na forma como reagirem aos momentos em que lhes faltar o treinador que Conceição, Jesus e Vitória não lhes conseguirem dar.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.