O que fariam se vos dissessem, por detrás de uma bata branca e a típica expressão de pena, talvez um bigode – quase de certeza um bigode! –, que não poderiam voltar a jogar?

Aos 19 anos, praticamente antes de sujarem as botas. Que diriam se vos atirassem, tal e qual uma bofetada, que podiam começar a escolher entre todas as realidades alternativas porque a que tiveram a felicidade de começar a viver evaporara-se entre os vossos dedos? Não aos 35, aos 30 ou mesmo aos 25. Aos 19! De-za-no-ve! 

É como escrever o ponto final antes da frase. Rir antes da piada, se piada houver. Neste caso, esqueçam.

Aos de-za-no-ve, acredito que somos puros. Sonhamos com golos, aplausos intermináveis, arrepiamo-nos quando entramos em campo de cada vez. Rói-se o estômago, falha-nos a voz.

Sentimos medo, ansiedade, mesmo que o deus que invocamos ao benzer seja do nosso clube. E se não for ultra, e não possa proteger-nos de tudo, entramos com o pé direito amparados pela superstição.

De repente

Crack!

E o bigode a mexer-se, sem ouvirmos o que destapa.

O futebol é nesses tempos mais do que uma vitória, um ordenado, um título. É uma corrente de habilidades circenses, deliciosas, inventadas por pestinhas em cima do alcatrão. Malabaristas em cima de monociclos. Depois sim, os golos, muitos, em avalanche. É quando acabamos de ser maiores, quando podemos votar e tirar a carta, e as responsabilidades passam a ser nossas por inteiro que aquele

Lamento muito!

abre um fosso debaixo de nós.

Lembram-se? Aos 19! O carrilero que se perde encostando à banda, resistindo a tentar ser Maradona. Acredito que Sampaoli – o careca, tatuado e irrequieto Sampaoli – essa pulga de metro-e-setenta-e-picos, se reveja em cada um dos seus jogadores.

El Hombrecito encheu de ideias de ataque todas as equipas por todos os anos que não jogou, os jogos que não fez, os cruzamentos que não tirou. Os golos, que não seriam propriamente extensão do seu talento, que não marcou. Encheu-as do seu frenesim, colocou-lhes o batimento cardíaco no limite, e juntou-lhes vertigem no contra-ataque. Acrescentou-lhes um futebol vertical, uma pressão sem fim, e sentou-se em cima da geleira a observar.

Um Bielsa 2.0. Também um poco loco como Marcelo, mas ainda mais esfomeado, competitivo, e com um pouco de Guardiola no misturador, a tentar descobrir o segredo para ter as duas faces. Transição e posse. A tempestade e a bonança, antes de nova tempestade. O círculo completo. A perfeição. Porque, já acredita

Não há só uma religião!

Sampaoli, é a promessa do melhor Sevilha de todos os tempos. A promessa de uma grandeza ainda maior. Se não em títulos em futebol, em golos que nos matem a fome.

Ganhe ou não, quando entra em campo, Jorge já sabe. Cada blanquirojo jogará também por ele.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica de Luís Mateus, Director do MAISFUTEBOL, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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