Não poderia a Bombonera voltar sem falar dele.

Há algo de Matthäus em Bruno Fernandes. Atenção, amigos haters, escrevi «algo», e sublinho-o. Se quiserem posso até alargar o espectro para que fique mais ao agrado de quem foge das comparações como o diabo da cruz. Há algo de médio alemão, de mittelfeldspieler dos anos 80-90, no miúdo do Sporting. Um boche refinado, com toque de classe sempre que usa o pé direito, mas ainda assim um boche.

O fußball transpira do jeito como se livra dos adversários em progressão, e do transtorno quase obsessivo-compulsivo em atirar à baliza sem dizer água-vai, com uma técnica exemplar. Depois, o resto: a visão periférica, o sentido de responsabilidade e o espírito colectivo, sublimados pelo moral inabalável que já acumulou.  

Lembra-me o velho Lothar, apesar dos cinco centímetros a mais de altura. O mesmo sentido de baliza, a atacar e a defender, e o compromisso com a equipa. A explosão para a área com espaço. O remate na passada. O DEZ assume-se por extenso, em capitais, e como dez-bombardeiro, mesmo que, um dia, também venha a ser oito, seis ou, pasme-se, até líbero.

O jeito, português. A forma de pôr a bola em rotação sobre o eixo, num cruzamento quase sem peso, apenas força qb e a medida justa para quem a espera do outro lado. Também há algo de cínico, de matreirice italiana, naquele pontapé-banana em finalizações apertadas ou livres directos, que deixa de vez em quando como assinatura. Espera-se que, por ainda termos muito tempo para descobri-la, traga a fome e as certezas de quem luta até ao último minuto e, apesar de serem 11 contra 11, acabe por ganhar repetidamente no fim.

Hoje, o Bruno a quem dão espaço, de fé reforçada e qualidade individual ao alcance de poucos, é cada-tiro-cada-melro. Não precisa de regular a mira, calcular a distância e sentir a força do vento. Cada remate alimenta o outro, cada golo cresce do anterior.

Lembro-me do passado recente. Da bola não querer entrar no Brasil, durante os Jogos Olímpicos, com a desilusão e algumas expressões de desespero naturais a acumularem-se jogo após jogo; e da responsabilidade no Euro sub-21, com a braçadeira no braço, e um futebol mais maduro, quase de consagrado.

O Bruno Fernandes que o próprio nos devolve agora não tem comparação com algum dos anteriores. Com o de nenhuma selecção, ou sequer com os da Udinese e Sampdoria. Não que fossem maus, bem pelo contrário, apenas diferentes. Tenha sido a conjuntura de liga mais aberta, clube mais ambicioso e treinador especial ou outra coisa qualquer, a verdade é que subiu um (ou vários) patamares até ao next level. Se o não poderia conseguir sozinho, só aconteceu porque ele próprio muito acreditou.

Agora, e mesmo sabendo que o ritmo está vertiginoso e quase desumano, o grande desafio é continuar a tocar no limite. Afinal, o clique que havia a dar já se deu.

Assinas por baixo, Bruno?

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.