Em Beckett, Godot é um tipo que todos esperam e nunca mais chega. Se aguentarem até ao fim do primeiro acto ficam a saber que nunca chegará. À Espera de Godot é uma obra-prima, a celebração por excelência do absurdo. Porque na vida nem tudo tem de ser lógico.

Vladimir e Estragon aguardam Godot indefinidamente, e durante a espera, enquanto falam sobre tudo e mais alguma coisa, encontram outros três. Pozzo. Lucky. Um rapaz. E nem sombra do tal Godot. Atrás da árvore? Em cima da árvore? Nada.

Há algum tempo que alguns de nós esperavam por Dalot e não era absurdo. Ou sequer uma obra de ficção, embora houvesse sempre riscos de que nunca chegasse. Porque o futebol tem dessas coisas, estradas que se tomam e não regressam, encruzilhadas que baralham.

Só não sabíamos quando nem onde, tal como Godot.

Dalot não era absurdo, nem o esperavam já com demasiada ansiedade. Todos sabem que, se ele tiver de sair outra vez, voltará certamente com mais vontade ainda para ficar.

Não havia espaço, não estava criada a necessidade. Agora, sim.

Não há coincidências, acredito, embora o mundo seja demasiado pequeno. Mesmo que repitam vezes sem conta aquilo que parece uma verdade absoluta, aquela que sublinha «um bom jogo muitos já fizeram», é a sua hora. Aos 18 anos.

Também por isso não havia pressa. Nao há pressa alguma.

Diogo Dalot tem escola, ensinaram-lhe clube e Seleção. Tem talento. Técnica. Pulmão. À direita e à esquerda. Potência. É uma locomotiva imparável, uma inevitabilidade à espera de acontecer. Inteligente, veloz também a pensar. Remata com toda a força que tem no corpo.

Dalot chegou, e estávamos à espera dele. Chegou para a esquerda, quando pode ser ainda melhor na direita. Chegou e assistiu, recebeu elogios e tem uma vida inteira à sua frente.

Valeu a pena esperar por ele.

E se tivermos de esperar novamente que assim seja. Não vamos a lado nenhum. Nem ele!

--

«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.

--