Há duas coisas que as redes sociais raramente dão a quem as utiliza ou é nas mesmas protagonista: uma delas chama-se contexto.

A outra é a compreensão.

O cidadão comum publica os melhores (assim mesmo, em itálico) fragmentos da sua vida, a troco de uns emoticons e umas partilhas de circunstância. No fundo, aplausos de uma plateia que não existe em mais nenhum lado.

É a realidade de cada um aumentada.

Ou partilha os piores (aqui sim, sem itálico), porque quer simpatia, abraços e palmadinhas no ombro.

Os outros, os menos comuns, não têm meio termo. Amplificam a sua aura enquanto acumulam sucesso atrás de sucesso, ou são devorados pelos erros que cometem, pela sua própria humanidade.

Os jornalistas estarão no meio-termo. A sua fama existe por serem os culpados disto tudo, a par dos árbitros, só que esses estão há muito silenciados. Os jornalistas fazem da voz, falada ou escrita, a sua profissão. A relatar factos, depois a expressarem a sua opinião, dentro das crónicas, editoriais e colunas que existem especificamente para que o façam.

Há leitores, em pleno século XXI, que ainda não sabem que a opinião é precisamente um género jornalístico.

Concentrar uma ideia nos 140 caracteres de um tweet; ou dividi-la em vários, a espera que todos, a nadar no meio do algoritmo, cheguem ao destinatário e sejam vistos como complementos de si próprios, é missão impossível.

Dizer tudo num post é inatingível, e mesmo que o seja há sempre um contexto que não cabe no short url ou na hashtag.

#porfavortomematençãoaocontexto

Gravar imagens com narrador e comentador em directo durante uma transmissão é discutível. Será primeiro desinteressante, porque o que realmente está à sua frente, e fora de plano.

Partilhá-las depois quando se calam com um golo, pintando-as de estado de choque ou algo que o valha, sem que haja consciência de que na emissão, a passar no canal oficial do jogo, a palavra está com o repórter de pista, é sobretudo idiota. Viralmente idiota. Incendiário.

Sem contexto, paira sempre sobre todos a teoria da conspiração.

Partilhar a imagem de um estádio no Instagram ou no Facebook, enquanto cidadãos menos comuns, tem sempre acoplada a mesma teoria. Mesmo que até tenha partilhado outros no passado.

As redes sociais só têm uma dimensão num mundo com quatro, algumas vezes cinco. Estupidamente, cinco.

You are traveling through another dimension, a dimension not only of sight and sound but of mind. A journey into a wondrous land of imagination. Next stop, the Twilight Zone!

Há ainda o problema de o cérebro ficar de lá do ecrã. O post não o traz como anexo, e pensar por vezes é cansativo.

Num país que tolera muito pouco que os outros sejam melhores, em que não se acredita de todo no mérito, estamos bem no meio da era da viralidade da estupidez.

Já não é a primeira vez que me deparo com a expressão «aquele jornalista é xxxista doente».

Agora, substituam o xxx pelo que quiserem, todos somos acusados de tudo e mais alguma coisa ao longo da carreira e de vestir várias camisolas, dependendo, sobretudo, de quem ganha.

A internet perseguir-nos-á sempre pelo que escrevemos, e nunca iremos livrar-nos daquilo que começou por ser um site de engate para universitários, e que acabou por responder ao secreto e profundo desejo que todos temos de atenção e de sermos maiores do que somos. O monstro alimenta-se a si próprio.

Alguém já pensou que a quantidade de elogios é proporcional a quem mais ganha, e a crítica a quem mais perde? Não é mais fácil duvidar de que tem deixado dúvidas? Acreditar em quem tem largado algum rasto de sucesso no seu caminho?

Não, é preferível achar que está tudo comprado, desde árbitros a adversários, que os jornalistas escondem emoções quando não estão a ser filmados, que o homem nunca pisou a lua.

Não deveremos ser ingénuos, e temos de combater os excessos, o que está errado. Mas é fundamental que nunca percamos noção da whole picture.

Corremos o risco de os nossos filhos crescerem a achar que não vale a pena esforçarem-se, a viverem numa letargia permanente. Vão dizer-nos

Ninguém ganha por mérito. Ninguém é profissional. Está tudo comprado.

Essa é a verdadeira teoria da conspiração.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.