Tenho saudades de Rui Costa. Muitas!

De Luís Figo e João Vieira Pinto. De Pedro Barbosa, Capucho e Sérgio Conceição.

De Paulo Sousa, o geómetra.

Da gola amarela, a caminhar para o dourado, a debruar o vermelho escuro. Classe. Classe sobre classe.

O verde, também com amarelo, antes das meias vermelhas. Números bem vivos, à frente perto das quinas, e atrás, a não deixar ninguém ao engano.

É natural que hoje tenha mais saudades do que nos outros dias. Hoje batem com mais força, como costuma dizer-se.

Tenho sobretudo saudades do futebol que Portugal jogava, que para os outros fazia da equipa de todos nós o Brasil-da-Europa.

De um 10 capaz de desenhar meias-parábolas de ruptura, de extremos habilitados para perfurar duas linhas defensivas rivais. De avançados inteligentes, preocupados em baixar para haver homem-extra na construção. De médios-defensivos com classe, sempre no sítio certo, capazes ainda de participar no ataque, se lhes pediam.

Sinto especialmente hoje falta desse futebol, que não deu ao país título algum após a maioridade, mas quem o viu alinhavar-se por esses relvados fora com pontos únicos de brilhantismo não irá conseguir esquecer.

Lá por ter resultado uma vez, no meio de traças de inspiração bíblica, não vão convencer-me certamente que esta é a formula certa para campeões, ou, pior, a receita mais portuguesa jamais criada.

Cruijff dizia, com todos os dentes que tinha, enquanto diluía lentamente um pirolito ao canto da boca, que a Holanda tinha saído mais vencedora de 74 do que a campeã Alemanha. Tão ganhadora que criou raízes em Barcelona e foi transplantada depois para a selecção espanhola e para a Alemanha. Tinha obviamente razão.

Também compreendo Pep Guardiola quando assume que jogar bem só por jogar bem nada significa, é necessário vencer. Vencer e jogar bem é sempre a medida perfeita. Vencer com um estilo e uma cultura próprios. Vencer, mas não só vencer. Jogar bem, mas não só jogar bem. Jogar bem sem vencer era como o tiki-taka sem objectivo.

Odeio o tiki-taka, é uma porcaria e completamente desprovido de sentido.

Escrevo esta crónica depois de um 0-3 profundo antes do Campeonato do Mundo, perante a Holanda mais afastada da prima de 74 que houve. Depois de quatro médios centro num meio-campo de quatro, com um único Quaresma a cair nos flancos para dar largura e tentar reatar a ligação com Cristiano. Escrevo-o depois de um particular sim, com meses de avanço, se alguém quiser provar que estou errado. Pouco me importa o resultado. Importa-me sim o que não conseguimos fazer.

Preocupa-me que nos tenhamos esquecido de como é jogar bem.

Que achemos que só se ganha assim.

Que reneguemos o futebol que é o nosso ADN.

Ou que sejamos estúpidos o suficiente para pensar que ainda não esgotámos toda sorte do mundo, naquela prova de fé de Éder em Paris.

A defender mal, com uma defesa para lá da data de validade, com um meio-campo sem rasgo e criatividade, e a depender de Cristiano como nunca, os deuses teriam de estar a compensar-nos por todas as nossas vidas passadas para que o raio caísse duas vezes no mesmo sítio.

Tenho saudades de quando jogávamos bem à bola.

Agora, se ganharmos outra vez a jogar com nota medíocre até posso ficar feliz e festejar por uns dias. Só que, passada a euforia e ressaca, voltarão as saudades.

E o Portugal de 2018 não será mais, para todos os outros, do que um agonizante regresso ao passado, que ninguém, mais uma vez, tentará imitar.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.

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