Falo por mim, foram 40 anos e picos. Quatro décadas, qua-tro lon-gas dé-ca-das à espera que dois deuses disputassem uma bola perdida, chocassem cabeça com cabeça e começasse a chover sobre este país árido, tornando-o fértil para pontas-de-lança.

Um Van Basten só nosso. Três quartos de faro pelo golo, e inteligência colocada a uso. Meio Marco, vá!

Com direito à carreira toda, sem Aquiles problemáticos, porque, depois do martírio, nós merecemos. Depois de tantos anos de provação, de anos e anos sucessivos de vacas magras, se não nos derem um 9 inteirinho de longa duração fazemos greve, ameaçamos mudar de religião, desistimos pura simplesmente.

Não seria justo.

Chega! Basta!

Que ganhem lá os alemães no 11 contra 11 do Lineker, e antes do Outro! Os franceses. Os espanhóis. Que se lixe! Os italianos já não vão lá. Não podem.

Não pensem que me sinto mal-agradecido pelo Bibota. Por Domingos. Águas. Pauleta e Nuno Gomes. Até pelo Cadete, he puts the ball into the net. Nada disso.

Mas este ouro – peço desculpa aos restantes – é puro. Líquido, derretido, à espera que o despejem sobre o molde de que tanto precisamos. Um homem de área, um goleador para todas as missões, as fáceis e as impossíveis. André Silva.

Não é pelo golo ao Boavista. Pelo bis. Pela acrobacia no Jamor, que o pôs o país inteiro a desejar uma coisinha-má, não muito grave, coisa de poucas semanas, a Éder para que não siga para França. Um país inteiro! Coitado do Éder, que não fez mal a ninguém!

Ele que, em pleno Agosto de 2014, marcou um golo de praia, depois de dominar no peito, uma espécie de Negrette com apoio, mas que não valeu de muito. Já toda a gente se esqueceu.

André Silva não é por nada disso, e é por tudo isso.

É também pelo resto, que não tivemos antes. A bola colada no pé, disposta a fazer tudo o que lhe pedem. A força para esbarrar contra muros, e continuar. A facilidade de remate. Pé direito, pé esquerdo. Em vólei ou na corrida. O jogo de cabeça, a impulsão, o posicionamento. Tudo o que mostrou nas selecções e parecia esquecido na B, lembrado aqui e ali por um prémio de melhor jogador da II Liga.

É também por isso.

Na passada, e quando está parado. De costas para a baliza e quando aparece frente a frente...

No momento em que controlar as emoções, quando achar finalmente que o mundo se conquista em várias batalhas será o melhor que já tivemos. E do melhor que já houve. Arrisco, escrevam.

A final da Taça foi o primeiro passo. A segunda parte um passo largo. Não só pelos golos, pelo resto.

André Silva é the next big thing. Tem de ser, porque estou farto de vacas magras.

Agora precisa que olhem para ele e acreditem. Que acreditem da mesma forma que ele deseja. Com aquela força toda, de punhos cerrados e gritos de raiva.

Já é altura que se deixem de dúvidas.

André, estivemos 40 anos à tua espera! Bebes alguma coisa?

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»   é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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