Sinto-me um pouco como Ulisses a falar de Aquiles e de Hector em
Tróia
Eu vivi no tempo de Maradona, o Pelusa, no de Van Basten, o cisne de Utrecht, mas também da Pulga Messi e dos Ronaldo, Fenômeno e, depois, Máquina...
Vivi aquela finta contranatura de
Dennis-the-Menace Bergkamp, as recepções orientadas de Romário, as
roulettes de Zidane e as cavalgadas de
Codino Baggio, e sinto-me vivido.
Vivido, não farto. Não gasto.
Apenas um homem com feitos de tanto herói para contar aos meus netos, com um iPad ou coisa que o valha, tipo um Android 10.0-e-troca-o-passo a tremer-me no colo, em cima da manta de xadrez, e a berrar golo em tantas línguas diferentes.
As mantas terão maior longevidade que o iPad, temo. Ou o Android.
Senti as simulações de corpo de Figo nos rins. Caí para trás com os livres-bomba de Roberto Carlos, senti um arrepio na espinha com a suavidade dos de Platini e Zico e fui enganado com as curvas dos de Beckham. Vibrei com muitas dezenas de golos impossíveis.
Coisas assustadoras, irreais, capazes de se aguentarem suspensas no tempo para quase toda a eternidade.
Saltei da cadeira com as bicicletas, tantas, de Hugo Sánchez.
Embora a melhor seja a de Van Basten.
Insultei todos os autores de
Panenkas menos o primeiro, o original, o autor do primeiro pontapé nos testículos dado dos 11 metros.
Mas com classe.
Suave, como se não magoasse uma mosca. E feliz da mosca porque não sabe praguejar.
Sinto-me vivido, sem ter visto Pelé, Eusébio, Di Stefano e tantos outros à medida que construíam a lenda, mas sei que sou um privilegiado. Vi tanto. Tomara eu que a minha memória me lembrasse da maior parte do que vivi. E o futebol, este jogo que adoro, continua a trazer-me mais a cada semana.
O melhor 9 de sempre? Perguntem-me, que não vou deixar que desesperem, não vou entrar em rodriguinhos e querer fintar-vos e cruzar de letra. Se fosse de trivela, ainda vá…
Perguntaram?
É que não tenho grandes dúvidas, é Van Basten.
Não precisa de deter recordes. Provavelmente, não conseguiria um único neste tempo de Messi e Ronaldo, de que nos orgulhamos de pertencer.
Não precisa, repito.
Basta que me lembre como tocava na bola, de corpo direito e como se corresse em bicos de pés. Ou melhor, como se não deixasse rasto nesses tapetes esfolados e, muitas vezes, enlameados, um pouco por todo o mundo. Um predador. Um predador que pede licença.
Basta-me não lhe encontrar defeitos. Procurar e não encontrar, apesar do calcanhar de Aquiles ser mesmo aí no tornozelo, encontrado por um carniceiro qualquer do Ancona.
E Aquiles volta a fazer-me lembrar Ulisses
Eu vivi no tempo de Van Basten, Capocannoniere, o melhor de sempre, mas também no de Lewangoalski e no de Kun, reencarnações de Marco e Romário.
Os homens dos cinco golos mais rápidos da era moderna, destruidores de defesas e inimigos mortais dos guarda-redes. Capazes de nos fazer desviar os olhos do óbvio, capazes de nos lembrar que os limites já eram.
Já foram!
A não ser que alguém se arme em Pellegrini e os segure à mortalidade.
Até à próxima vez.
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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»
é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no
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. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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6 out 2015, 10:02
Eu vivi no tempo de Lewangoalski e de Kun, os últimos dos mortais
Nova crónica de «Era Capaz de Viver na Bombonera».
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