O futebol é, pasme-se, dinâmico. É por isso que quem diz que o futebol é momento tem invariavelmente razão.

Todas as fórmulas de sucesso dependem de que os astros se conjuguem, todos bem alinhados na equação. Só que mesmo que seja a última a faltar, as contas nunca baterão certo se não deixarem espaço para a parcela do contexto.

Acredito que Guardiola só foi Guardiola-em-toda-a-sua-plenitude porque foi plantado e deixado florir em Barcelona.

A região é fértil, alimentada por um verdadeiro microclima efervescente de autonomia e uma filosofia própria, semeada por Cruijff. Havia raízes sólidas em Xavi, Iniesta e Busquets; e depois Messi era o fertilizante que poderia fazer nascer até um jardim imperial no meio do deserto.

Não havia como. Lamento! Não havia como não criar maior equipa da história. Não com Guardiola.

Lançou de novo ao solo as sementes que Cruijff lhe passou para as mãos, e que assentavam nas cadeias de ADN replicadas ano após ano em La Masia, e colheu os frutos.

Fim de ciclo, agora havia dois desafios e que escolher apenas um.

Provar ao mundo que conseguia voltar a fazer o mesmo noutro lugar e com os outros jogadores.

Ou ficar e preparar-se para vestir a pele de Luis Enrique, sem Xavi, o maior injustiçado dos altruístas num jogo que continuará sempre a premiar mais o egocentrismo, e com Iniesta em fase descendente. Teria de reinventar, o que significaria também reinventar-se.

Herr Pep quis provar, muito provavelmente a si próprio mais do que aos outros, que a ideia era mais forte do que o resto. Numa Alemanha a tirar dividendos do investimento na formação e com um plantel igualmente recheado de talento, Guardiola falhou na subjugação planetária. Era esse o grande desafio de uma equipa que acabara de vencer a Champions.

É verdade que voltou a influenciar o futebol como poucos, e uma parte da Mannschaft campeã do mundo no Brasil é sua. Pode reclamar que subjugou indirectamente, mas terá sido feito suficiente nos seus planos de dominação total?

Fez crescer o número de discípulos, que espalham a mensagem da posse e do controlo. E voltou a partir.

O Barcelona sobreviveu, entretanto. Mais do que isso, continuou a vencer. À força de investimento num tridente mágico na frente e em médios tão carinhosos e amigos do próximo como Xavi. A estratégia, retocada, já permitia correrias loucas em transições. Derrubou então várias vezes o mestre e a sua ideia. Muitas delas, culpa de Messi, reconheça-se. Besta negra.

Só que Guardiola continuou sem dúvidas, irredutível. A ideia é a única coisa que não pode nunca mudar, mesmo que tudo à volta se transforme.

Em Inglaterra, num City que se habitou a comprar já feito em vez de plantar e esperar que cresça, faltará ao treinador mais do que entender as segundas bolas. Mesmo que Silva ainda possa disfarçar de Xavi aqui e ali, esqueceu-se com a passagem pela Alemanha da falta de jogadores com a mesma cadeia de ADN, referências puras, lhe farão. Já para não falar num microclima específico. Enfim, contexto.

Não tendo ainda Messi, será verdadeiro milagre fazer crescer ideias no meio do deserto.

«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.