O destino é coisa lixada, Chalanix. Hoje, esta Bombonera é sobre ti. Equipa-te, que jogas. Calça as botas pretas, já sei que são dois pés esquerdos. Ou direitos. Vai dar no mesmo para ti.

Estás a ver aquele lateral com ares de hastado romano enfezado, atrás do gládio desembainhado? Bebe a tua poção e enrola-lhe os rins como corda de pião, faz com que voe como um dois-de-copas ao vento, segue em fúria para a área, não deixes que nenhum russo te derrube antes de lá chegares.

Já alguém te disse que foste grande? Claro que disseram. Como não? Muitas, tantas vezes, e mesmo assim tão poucas.

Vi-te a desenhar golos em esquadria para Jordão quando tinha dez anos, a deixar defesas por terra com uma simples insinuação do bigode, a tornar ésses numa linha recta. Sei, e posso escrevê-lo com todas as gordas que vieram com este teclado em tempo de vagas magras

Hoje serias enorme! Enorme!

Chalanix. O terceiro anel sempre foi teu. Literalmente. Foste tu quem acabou de pagá-lo com os 200 mil euros que vieram de Bordéus. Só que todos sabem que bastariam as arrancadas anteriores para derrubar os ideais de qualquer materialista convicto.

Melhor ainda se o velhinho Vélodrome também se tivesse tornado teu como se justificava, não tivessem os gauleses bebido também da poção mágica de Panoramix, resistido ao prolongamento e acabado com o sonho de um primeiro Euro, com um tal de Domergue, defesa-central, a tornar-se herói improvável, aguentando os Bleus com o bis até um Platini Astérix-reencarnado apunhalar-nos no abdómen, a um minuto do fim.

O destino é coisa lixada, Chalanix! Um gigante como tu não merecia tantas lesões. Que te deixassem jogar, arrancar, fintar e cruzar. Marcar. Festejar. Com um pé, com outro. Era igual, sempre foi igual. Como podia ser igual?

Que te deixassem ser tu!

Barreirense e Benfica. Bordéus, Benfica, Belenenses, Estrela da Amadora e o fim. Em França, começou o mundo a virar do avesso. Sempre França.

Tantos acidentes de percurso também do lado fora de campo. O azar perseguiu-te sempre. O azar era também um Domergue disfarçado a aparecer do nada, um Platini com superpoderes, capaz de destruir legiões inteiras. O azar crescia até ficar desse tamanho para ti. Um karma incomensurável.

A tua vida foi feita de Domergues injustos, capazes de se superar a si próprios, empurrando-te para trás.

Tu, Chalana, no tempo em que o futebol amarrava os portugueses atrás foste enorme! E também hoje o serias! Um dos maiores, um dos melhores. O Messi de um país que também teve Futre, Figo e Cristiano Ronaldo, depois de Eusébio. Tomara a ti que te tivessem dado também uma poção mágica que te fizesse resistir a tudo. 

Enorme, Fernando! Hoje e sempre. Nunca o esqueças!

«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.