O maior.

Da rua. Da cidade. Distrito. País. Do continente. Do mundo. Do universo. Vivemos numa sociedade de maiores, e o maior dos maiores é aquele que nos preocupa agora, enquanto o ano se despede e outro renasce. É para aí a oitava sequela, já feita só para ganhar uns trocos, com poucos alelos em comum com o primeiro best-seller.

É discussão que dura há meses, assim que os belos golos e as jogadas de génio começam também a valer decisões. Assim que os títulos começam a ser contados. É recorrente. Nunca satisfeitos, apesar de todas as certezas com que vivemos e que gostamos de dar a conhecer sobretudo agora que inventaram as redes sociais, temos o tira-teimas dos tira-teimas. Levamos a coisa a peito. Confundimos jogadores com máquinas, homens com modelos inquebrantáveis de virtude, chamamos patriotismos bacocos a opiniões despidas de preconceito, e juízos sinceros a palavras influenciadas por laços de amizade ou constrangimentos de pertença.   

Ouvimos vários testemunhos por semana, a defender uma das damas, e a verdade é só deviam interessar-nos os neutrais, aqueles que nada têm que ver com a discussão em causa. Mas será que ainda existem? Quem de nós não fez já ano após ano essa escolha, mesmo antes de nos perguntarem?

Só a última decisão acalmará a tempestade, esvaziará uma maré que voltará depois encher devagar até maio, por vezes junho, quase julho, permanecendo viva até ao último sopro do ano.

Os argumentos, vários. Mudam conforme o lado, de acordo com as afinidades. Vão das estatísticas aos vídeos das melhores jogadas, dos números individuais aos colectivos. Adultera-se o conceito conforme interessa, parte-se do particular para o geral e vice-versa. Tudo para escolher o maior. O maior de todos, o rei por um ano. O rei em cima da montanha, se Ed Sheeran, eventualmente, quisesse alterar a banda sonora.

Os jornais ficam cheios de intenções de voto de quem pouco vota, numa máquina de propaganda ensurdecedora, que amplia o nome do autor de cada hat-trick (e não a beleza do mesmo) para lá das fronteiras terrestres.

Vivemos num tempo de séries com várias temporadas, filmes e remakes, e a discussão não termina. Cristiano ou Messi, Messi ou Cristiano? – e percorremos em cima desta fronteira, de trás para a frente e da frente para trás, como se o mundo tivesse acabado para lá deles. Riscamos prós e contras em blocos A4, ao lado dos gatafunhos que nos ajudam a pensar ou a matar o tempo, dependendo do objectivo. E esquecemo-nos do principal, ou será que não?

Conseguimos olhar para trás? Para antes do filme original? Por que não conseguimos valorizar o que vivemos? Pertencemos ao grupo dos maiores felizardos que pisaram o planeta, pelo ar histórico que respiramos.

Parem de discutir o que não tem discussão! Atribuam o prémio aos dois, com retroactivos. Oito Bolas de Ouro a cada um, e mata-se a coisa. Façam-nos protagonistas de todas as sequelas. Gravem os seus nomes em todas as taças. Nenhum conseguiria ser tão grande sem o outro. O ADN dos dois está nas conquistas de ambos. E, sendo assim, coloquem dois tronos em cima da montanha.

Já que me obrigam a escolher entre Messi e Ronaldo, deixam-me com a certeza de que Diego teria sido ainda maior se tivesse tido pela frente Pelé.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica de Luís Mateus, Director do MAISFUTEBOL, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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