O maior elogio que se pode fazer a Cristiano Ronaldo é, por estranho que pareça, falar de Léo Messi. E de Messi, se não se é argentino só há que falar bem. Tal como de Cristiano, por quem não é português.

Uma década num sprint interminável, depois de Kaká ter sido o último mortal a abandonar a corrida. Sem cansaço de parte a parte. Sem necessidade de lebre, mas também longe de haver meta à vista.

Uma luta titânica, interminável, incapaz de se decidir por um vencedor único. Um combate até cair, para lá do 12º round, decidido em cortes no sobrolho, aos pontos.

Na Pulga, a bola vai colada à canhota, e é com ela que costura a candidatura a melhor de sempre. Candidatura, sim. Pegadas leves gravadas na cancha, sem que se note que carrega às costas o peso do mundo, o seu e o dos outros, e a cabeça levantada.

Triângulos e outras geometrias desmontadas em jeito de filme futurista, à frente dos olhos, antes de rasgar a equação com uma assistência inimaginável. Uma linha só por si descoberta, que não estava ali antes.

O chegar sempre primeiro, antes da finta, do túnel que se segue. A bola que sai aparada. Limada. Sem arestas. Arredondada pelo pé esquerdo de tantas vezes tocada. O remate que não precisa de ir tão forte, mas vai mais sábio, mais decidido que os dos outros, tanto que ele próprio festeja antes de tempo. Messi é sempre uma inevitabilidade à espera de acontecer.

500 golos, feitos e criados, nascidos de si. Dezenas de obras-primas, pintadas sobre telas em branco, adversários de todo o tipo e feitio. Como se ele lhes ligasse...

Fez de Neymar súbdito, até este não aguentar mais e ter de procurar outro reino. O brasileiro sim, e não o cada vez mais apagado Gareth Bale, invoca direito divino a suceder-lhe, e muito provavelmente sucederá. Antes, terá Messi de abdicar, mas não será hoje.

Léo está em rota de colisão com outra oportunidade. O Campeonato do Mundo só pode ser uma realidade alternativa com a qual tem de acertar. Não há hipótese alguma de a história continuar a ser tão ingrata, embora também ele precise de ajudar. Ali, no palco dos palcos, tem de jogar o seu melhor futebol. Acredito que será desta.

É a este Messi que Cristiano ganhou cinco vezes o título de Melhor do Mundo. É a este rival que o português ganha e com quem perde, quase em medidas iguais, na última década.  

Tamanha ambição sempre fez com que recuperasse da derrota, e que não ficasse saciado com a vitória. A obsessão de procurar mais uma diagonal, mais um golo na jogada seguinte. A alimentação, a musculação e o treino, tudo alinhado para o mesmo objectivo: ser o melhor. O sacrifício, o trabalho, a repetição.

Os cruzamentos que implora e que não passam, os passes que morrem nos defesas, os postes e as traves inconvenientes. A frustração que, por vezes, o invade. A ele, logo a ele, que já ganhou tudo.

Cristiano Ronaldo só bate Messi porque vence sempre primeiro a batalha consigo próprio. Sempre.

É essa vitória permanente que o torna o melhor. Não acaba com a discussão, nem é um triunfo definitivo, mas é uma vitória, e uma vitória é sempre uma vitória.

Só percebemos o quão grande Cristiano está a ser quando olhamos para Messi, e enquanto tivermos elogios para o argentino iremos estar a idolatrar o português.

Se é para que sejamos finalmente justos com Ronaldo valerá sempre a pena.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.