Sinto-me rejuvenescido. Deixo-me morder o isco que me lança o drible de Gelson, de rins separados pela ginga e unidos, depois, muito depois, com adesivo hipoalergénico, enquanto ele se deixa desaparecer, à procura de uma consistência que chegará mais cedo que tarde.

Imito um Horta de meias para baixo, a bola no exterior do pé direito, clone de um Dez passado, fintando para dentro, a corrigir o movimento para pisar as pegadas deixadas pelos genes do trequartista. Sorrio com o toque e a procura de roturas no passe, decalcados do ídolo de sempre. Vejo a criança e a televisão, e a boca aberta de espanto. Vejo-o, juro!

Acredito, finalmente, que a alquimia faz sentido, que conseguimos criar ouro do nada. Acredito, também finalmente, que exista um Deus que o proteja, e nos devolva os 30 metros que culpámos de tudo e mais alguma coisa num passado não tão distante assim. Construam uma redoma para André Silva, vacinem-no contra a gripe e as intempéries, e sobretudo tomem todas as decisões certas e deixem-no crescer. Com golos. Não se esqueçam do Gonçalo, tenham paciência, por muito que vos dê jeito que seja apenas uma piada. Não é. Nada disso.

Embalo na velocidade de Nélson Semedo, e no frenesim de Gonçalo Guedes, Ivo Rodrigues e Podence. Encontro em Fernando Fonseca algo da maturidade com que Rúben Neves nos preenche. O passe a abrir ângulos como Djokovic ou Wawrinka, em noite-sim, do fundo do court, a inteligência, a leitura, a capacidade de afagar ainda mais as arestas do que já é redondo. E não percebo, juro que não, por que pouco joga.

Vira, Rúben!

40-love!

Dias depois de Guardiola ter provado que o físico de Pogba e Fellaini valem menos que um David Silva a sair a jogar, ainda percebo menos. Muito menos.

O meu canhoto-de-trazer-por-casa, de 13 anos e com sonhos de craque, deixa-me a pensar que Iuri Medeiros recorda-me um pouco Dani, aquele que achava petróleo nos relvados do Qatar. O mesmo jeito; quando o espaço já reduziu, deixando a exploração para os flancos e o talento empregue aos cruzamentos. Meios-golos como os que Nuno Santos pode começar a criar junto das linhas do Bonfim. Haja quem a meta lá dentro!

Na meia-lua, cada vez mais quarto-crescente com tanta gente por perto, Diogo Jota e Geraldes. Não uma sociedade, cada um por si e pelos seus. Um olho na baliza e outro na assistência. A pensarem mais depressa que os outros, a tornarem leves as decisões difíceis.

Há lugar para tudo. Não ponham o físico de lado. Não tomem a parte pelo todo. Rúben Semedo anda a crescer para ser monstro, um coleccionador de tackles e e slam dunks de cabeça, em Alvalade. Um pulmão inesgotável e, a ser assim, que a cabeça acompanhe o músculo. Na outra área, onde é forte, Gil Dias também promete levar a bola ao golo, jogando gato-e-rato em tabelas e disparos à baliza.

Também felino é José Gomes. Aos 17 ainda. É tão cedo que parece crime dizer alguma coisa, não vá partir-se. Estragar-se. Ficar sem corda, como outros da sua equipa ultimamente, e termos de acusar o irmão mais novo que não temos, e que ainda não sabe o que faz.Tem pela frente todo o tempo do mundo, e mais algum.   

Sinto-me jovem. Que mais pode desejar um campeão europeu?

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica de Luís Mateus, Director do MAISFUTEBOL, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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