Aviso. Posso estar a ser mal influenciado.

Escrevo esta crónica nos intervalos da minha lenta e saborosa degustação da autobiografia de Ibrahimovic, e como tal posso ter ficado a achar que todos os jogadores têm de ser, obrigatoriamente, loucos, ou pelo menos um pouco loucos, como ele.

Se o sueco, filho de bósnio muçulmano e croata católica, a viver nos subúrbios com o frigorífico quase sempre vazio, tornou-se reconhecidamente um génio do futebol mundial, ainda capaz de fazer coisas incomparáveis, marcar golos extraordinários, encontrar entre ésses o caminho mais rápido para a baliza, Guedes é... um rapaz esforçado. Com pausa dramática e tudo pelo meio, para reforçar a ideia.

Um tipo esforçado com rabo de cavalo.

Apesar da boa época, do rendimento bem mais do que aceitável no que a golos diz respeito, Guedes nunca aspirou nem nunca aspiraram a que fosse um novo Van Basten. Fez-se um avançado esforçado, depois de tantas vezes terem-lhe faltado argumentos que teriam acrescentado valor à equipa. Nunca será aluno de Excelentes, embora possa arrancar aqui e ali um Satisfaz Bem. Um Bom, vá, em disciplinas mais teóricas.

Guedes não vai levar-me a mal, não pode. Portugal tem filas intermináveis de pontas de lança piores, mas ele próprio está a meio da cadeia alimentar. Naturalmente. Nada de mal tem isso.

Se tivéssemos dúvidas bastaria substituir um nome pelo outro na frase

Como assim o que ganhou ela como presente de noivado? Ganhou Zlatan!

Experimentem!

Como assim o que ganhou ela como presente de noivado? Ganhou Guedes!

Brincadeiras à parte, Guedes seria um dos amigos de Zlatan quando roubava bicicletas para se divertir ou para estar nos treinos do Malmö. Mas muito provavelmente um amigo que não conseguia parar a tempo e era apanhado, porque fazia tudo errado.

Pior, pior, só se fosse o Pelé brasileiro a ter ficado sem a bola para o penálti. Não possível, claro, mas um cúmulo dos cúmulos.

Uma equipa é feita de egos, mas apesar de o total ter de dar sempre 11 as parcelas nunca são iguais. A Argentina de Maradona seria um 1+10, o Barcelona de Luis Enrique 6+2+2+1, a Holanda de Cruijff um 1-1+10-10+11-11+1+1+1+1+1+1+1+1+1+1+1, ou qualquer coisa parecida, tal a capacidade de estarem em todo o lado. Futebol total, e um cérebro em campo. Outro no banco.

Até Ibrahimovic, um dos mais loucos de todos, percebeu que, em campo, o seu ego tinha de estar ao serviço da equipa, por muito estranho que isso possa soar.

O Rio Ave não é a Suécia, Pelé pouco tem de parecido com Kallstrom e Guedes está longe de ser Zlatan, já se viu. E até Zlatan pediu desculpa pelo rematou que falhou. Ali, também dos 11 metros.

Guedes não. Ainda não o percebeu. O penálti que não era para ele, a panenkada sem jeito a levá-lo à substituição sem misericórdia, os insultos para o banco, a camisola para a bancada. Estava tudo errado. Certamente que não ficará por aqui.

Há uma altura em que se põe o orgulho para trás das costas, e é esta. Acredito que tenha tido os seus motivos, e até pudessem ser fortes, mas o rapaz sabe o que agora tem de fazer, a quem tem de pedir desculpa. Como todos, tem direito ao erro, uma vez que não é jornalista nem árbitro de futebol.

Piadinha, pá!

Distraído, a culpa é de Pelé, que não aplicou essa máxima youtubiana em cima do acontecimento, e deixou que o companheiro se estatelasse ao comprido

Sai da frente, Guedes!

Era tão simples.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.

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