O meu pai dizia-me ainda eu criança, meio a brincar, um pouco a sério, e influenciado pelo medo de uma pandemia comunista pós-25 de Abril, que se os chineses dessem um salto do outro lado do mundo nós, portugueses, seríamos projectados para o ar do lado de cá. Ele, que bem sabia que a Terra é redonda, insistia na imagem de um mundo plano e assente num eixo invisível só para explicar-me a noção de grandeza.  

Hoje, os já bem-amados e ricos chineses estão muito mais dispostos a usar o dinheiro do que a andar a pular por aí, e andam a comprar isto tudo. De clubes a restaurantes e lojas dos 300. Sim, também no futebol, mas deixemos este assunto fora das quatro linhas. Para já.

Nos tempos que correm, se agora em Inglaterra, na sua Premier, todos decidirem saltar mais uma vez ao mesmo tempo, o espanhol, o alemão e o italiano juntos, aqueles que fazem algum contrapeso, não evitarão o efeito-catapulta. Já não falo do nosso campeonato e do francês, que para pouco mais servem do que lastro. E meter no mesmo saco o italiano, El Dorado dos anos 80 e 90, será também forçar a nota, tal a baixa de qualidade que só a Juve consegue contrariar no mercado.

Em La Liga, são Messi e Cristiano a pôr-se em bicos de pés a equilibrar a balança. Por muitos golos que marquem – e serão sempre muitos –, mais o complemento dado por Suárez, Neymar, Bale e Griezmann, e por muitas Bolas de Ouro e prémios FIFA que dividam, não conseguirão por muito mais tempo evitar a concentração de todas as atenções e mais algumas no Association.

Mr. Pep e signore Conte obcecados com tubos de ensaio, bicos de Bunsen, almofarizes e tubos de decantação, à procura de uma nova e original estratégia para chegar à imortalidade. Klopp atrás de uma t-shirt negra pontuada com a eletricidade Ride the Lightning dos Metallica, com headphones de DJ e a desenhar riffs com a mão direita numa guitarra invisível. E Liverpool inteiro a esquecer-se dos Beatles, e a partir para um mosh! incontrolável.

Mourinho, de fato Armani, descalço e com as pernas cruzadas sobre o sofá, com um divã à sua frente e uma fila de muitos atrás da porta do consultório. E Wenger vestido de gala para assistir a uma noite no Royal Opera House, indiferente a tudo isto. Mesmo com um Özil a reinventar-se numa só jogada na Champions, e a reclamar apoio para uma candidatura credível.

Tanta pena, craque!

Um Chelsea, sim, avassalador. Triturador. Desde que Conte saiu do 4x2x4, depois da derrota com o Arsenal, e reinventou-se no 3x4x3 mais eficaz defensiva e ofensivamente. Que o diga o Everton, que já andou lá por cima na tabela. Hazard voltou a jogar para prémios individuais, Diego Costa passou a preocupar-se mais com túneis e com a baliza do que com brigas de rua, Moses, Pedro e David Luiz parecem recuperados. Kante continua a cobrir o que os oceanos não cobrem, mesmo que o cântico tenha ficado em Leicester. Matic aparece mais solto.

O Liverpool a crescer. Já primeiro, quando tantos duvidavam. Coutinho fabuloso, Henderson a revestir-se de Xavi, um médio de passe e controlo, que até podia entrar num tiki-taka à inglesa. Firmino, Mané e uma marcha industrial, sonora, a caminho a baliza rival.

De Manchester espera-se ainda tudo. De Guardiola e de Mourinho. De Sterling, De Bruyne, Gundogan, Silva e de Kun. De Ibrahimovic, Pogba, Mata, Rooney, de tantas estrelas que o dinheiro comprou em ambos os lados. De tanto conhecimento que os treinadores adquiriram. Só o Arsenal parece, para já, voltar a ficar curto, preso num futebol de ópera que já não chega há muito tempo.

Na Alemanha, o Bayern e Dortmund, a espaços, encantam. Em Itália, a Juventus e mais ninguém. Haverá luta em França, com Nice, Monaco e PSG, mas pouco entusiasmará os de fora. E, em Espanha, Messi e Ronaldo, e as grandes equipas em que jogam, vão fazer-nos desviar o olhar de vez em quando. E pouco mais.

Será para Inglaterra que todos estaremos a olhar.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica de Luís Mateus, Director do MAISFUTEBOL, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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