Não é fácil, longe disso, sobreviver à crítica. A construtiva ainda vá, dá uma ou outra ideia, pelo menos, para introspecção. A destrutiva cai em cima de qualquer um como um piano de cauda empurrado de um quarto andar.

Sobrevivendo, ainda será mais complicado digerir o escárnio, quando público, que pega na ponta de um tique, de um vinco corporal, de um nome, e desfia por likes e shares fora, aumentando o eco a cada segundo.

Depois, há a piaducha fácil, aquela que salta logo à vista do mais anónimo dos cidadãos com conta Facebook, e se torna tão chata como zumbir de mosquitos, que driblam no ar quais Messis-com-visão-nocturna, invisíveis, sem que haja quem lhes acerte uma em cheio e acabe com a brincadeira.

No topo do bolo, a foto de meio-corpo suspensa numas roldanas, com um alvo de pontuação decrescente do esterno para os braços, para animar um dia mais calmo no escritório do rival.

Some-se a isso menos soluções, um arranque gaguejante e três duelos perdidos com quem não podia, e o ar torna-se rarefeito e o peito ameaça entrar em falência.

Rui, que foi só-Rui durante muitas semanas, demorou mais tempo a ganhar o apelido do que qualquer ex-jogador a chegar ao banco pela primeira vez. Como se treinar justificasse por si próprio o distanciamento e um sobrenome carregasse em definitivo a responsabilidade.

O Rui-que-não-é-treinador não tinha o último nome que lhe dava a equivalência para mandar desde o banco. E foi aguentando a rábula polícia-bom polícia-mau com um campeonato a tremer e a suar as estopinhas ao meio de uma sala escura com a iluminação a balouçar. Até ter o seu momento, e recuperar de vez o que é seu por direito. De nascimento, e depois profissional.

O título assenta-lhe bem, e aí tão bem como ao rival. Só que a pele de herói, aquele herói bonzinho, simpático, do mainstream do cinema americano, aquele que ganha sempre no final e leva a miúda para casa, essa veste-a melhor.

Se o conseguir, com um Se em capitais e maior do que os outros, prova que os tipos porreiraços também conquistam balneários, conseguem ter sempre disponíveis para brilhar os até lá improváveis Lindelofs e Edersons, e de uma forma diferente dos outros, sem tanta obsessão pelo pormenor e pelo controlo, sair em ombros. Partindo de trás, bebendo garrafa de água atrás de garrafa de água, tendo uma ou outra fezada sem razão de ser, mas fazendo-se forte no seu forte e reduzindo as fragilidades ao mínimo.

Ganhe ou não, festeje no fim ou não, longe de ser perfeito e ainda ele próprio com margem para crescer, não mais perderá o apelido.

Ou será que ainda acham todos que o Benfica não tem treinador?

E se ganhar, depois de tantos pianos atirados lá de cima, até lhe podemos dar o direito de apresentar-se como o maior gentleman de todos

Vitória, Rui Vitória, como vão?

Sai já uma imperial e um pires de tremoços para o mister!

--
«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»   é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

--