Somos todos Sérgio Conceição, mesmo os que não são. Hoje, é tão popular que até podia ser uma hahstag.

Recomeço: somos todos Conceição.

É impossível que olhemos para o treinador e não vejamos o jogador, que só não entra por ali fora porque não pode; e gesticula, move os braços, grita incessantemente para que se movam montanhas à sua frente.

Somos todos essa genuinidade, aquela dose de adrenalina que nos ressuscita para mais uma investida, mas também somos os defeitos. As imperfeições, os erros.

Somos a explosão e a implosão, que tem andado controlada e, quando assim é, pode ser usada em seu benefício. Somos os murros na mesa, a saliva que nos escapa, o disparar de críticas em todas as direcções quando perdemos.

Só que os jogadores correm também por nós, rematam ainda mais por nós quando rematam, e nós sofremos com eles. Sofremos juntos até ao fim.

Somos Sérgio, e sentimo-nos bem. Somos Sérgio, e somos capazes de evoluir.

É melhor ser genuíno do que erguer fachadas, colocar máscaras, vestir uma pele que não é a nossa. Valorizamos isso.

Também por isso, somos todos Jesus. Somos todos o Jorge, com um ego do tamanho da Segunda Circular, que não pára de inchar com o passar dos anos, ganhe-se ou chegue-se a mais uma final para disputar, porque o que importa é lá estar.

Estamos lá! - repete

Somos os mestres da táctica, os inventores do quarto e do quinto momento do jogo, mas na realidade somos, fielmente, como as nossas equipas nos representam: obcecados com o detalhe, com a organização, com triângulos e espaços. Somos perfeccionistas. Exaustivos. Às vezes, cansativos.

Somos os pontapés de moinho na gramática, e antes esses que na atmosfera, e somos isso tudo porquê? Porque, em primeiro lugar, somos assim, e pouco interessa a forma, desde que haja conteúdo. Estamos dispostos a falar dele, a explicá-lo, movimento a movimento, mesmo para um público menor que nós.

Há todo um treinador em nós. De bancada, mas está lá. 

Somos também Rui Vitória.

Somos aquele que entrega a maior parte das decisões aos jogadores, e tenta gerir nos intervalos. A sobriedade, o discurso coerente, e que não magoa nem quem está dentro nem quem vê de fora, e que alguns confundem com sonsice. Só que também somos permeáveis à pressão, e enveredamos por explicações sem nexo, desfocadas do contexto, atirando os erros para os outros. Do nada, os árbitros, quando dá jeito. Nisso, somos todos iguais, apesar de acharmos que não.

Somos o puxar dos galões de tempos a tempos, para lembrar do que já ninguém se lembra. Somos o leitor assíduo do Manual do Cavalheiro em terra de brutos, a lutar num saloom, e talvez de vez em quando devêssemos ser aquele que dá um soco.

Já o disse antes, e não mudei de ideias. Há equipas que precisam de muitos treinadores ao longo de um ano, outras contentam-se com apenas um, e são muito felizes. Não há técnicos perfeitos, e podemos ser cada um deles e ter sucesso, mediante o contexto. Ou também encarná-los a todos e falhar sem apelo nem agravo.

Tenho a certeza que, para a próxima época, também seremos Abel.

Seremos o treinador das boas frases e da moda. O motivador, que cria bons grupos, organiza bem as equipas, e quer jogar bom futebol. Também seremos ainda aquele que explode junto à linha lateral, ali onde fazia piscinas da defesa para o ataque quando era jogador, com as decisões dos árbitros.

É nas imperfeições de cada um que nasce o espaço do outro. Seremos todos Conceição durante os próximos meses, e a partir de agosto veremos qual é aquele que nos assenta melhor.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.

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