Jorge Jesus é um treinador pitoresco: fala uma linguagem misteriosa, destrói qualquer idioma que atreva cruzar o caminho dele, é sobranceiro e arrogante. Olha-se ao espelho e vê refletida a imagem de Narciso. Neste nosso mundo que insinua educação e cortesia, não é fácil gostar de um homem assim.

Mas eu gosto.

Jorge Jesus é no fundo a antítese de Trapattoni.

O italiano fala quatro línguas, Jesus... bem, Jesus não fala quatro línguas. O italiano foi campeão em quatro países e ganhou todas as competições europeias, Jesus foi campeão uma vez em Portugal, ganhou três Taças da Liga e uma Taça Intertoto. O italiano joga um futebol aborrecido e melancólico, Jesus joga um futebol exuberante e sorridente.

O italiano é enfim todo ponderado, Jesus é todo descontrolado: em vários sentidos.

E é isso que é admirável. Jesus não é prudente, não é sensato e não é razoável. Mas é transparente. Não é politicamente correto por uma razão muito clara: nada nele é político. É tudo sinceridade à flor da pele.

Lembro-me de uma vez falar com Paulo Jorge, o antigo central do Sp. Braga, que me dizia que no contacto pessoal Jorge Jesus não é propriamente a pessoa mais sensível do mundo, mas tinha uma grande vantagem: defende um tipo de futebol que agrada aos jogadores e que por isso os motiva naturalmente.

No fundo ele sabe motivar os atletas sem fazer a mínima ideia de como é que os motiva. Sabe dar-lhes conforto e fascínio enquanto grita e gesticula junto à linha. Sabe enfim, como um dia disse Jorge Valdano, que nenhuma equipa diverte o público se os próprios jogadores não sentirem que estão a divertir-se.

Somou, e continua somar, vitórias com equipas potentes que lhe caíram nas mãos, o que nem sempre é fácil. Valorizou jogadores, valorizou a equipa, valorizou a marca. Conseguiu pequenos milagres como a transformação de Enzo Perez ou de Coentrão.

Comete vários erros, é verdade que sim, porque é um homem com defeitos. Como todos os homens. Mas é verdade também que com Jesus o Benfica mantém um trajetória que lhe permite sonhar com títulos. O que antes dele não era habitual.

E esse é o ponto.

O futebol mudou muito nos últimos vinte anos. Os jogadores, e também os treinadores, são os novos heróis do mundo contemporâneo. São pessoas submetidas a um pressão tão brutal quanto absurda. Sobretudo num clube como o Benfica: uma casa que vive em hipertensão. Em permanentes viagens entre a euforia e a depressão.

Basta pensar, por exemplo, que nenhum treinador foi consensual nos últimos vinte anos, nem nenhum treinador conseguiu resultados verdadeiramente gratificantes.

Jesus conseguiu pelo menos manter a equipa sempre próxima de títulos. Às vezes ganha-os, às vezes perde-os. Sobretudo trouxe algum equilíbrio a um Benfica que habita em cima de placas tectónicas: sempre demasiado instável.

Suponho que um dia o futuro lhe fará justiça. Se tiver humor, num texto com erros ortográficos.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias