Há uma frase de José Mujica, o antigo presidente do Uruguai, que não esqueci: o homem moderno dá cabo da saúde para ganhar dinheiro e depois gasta o dinheiro para recuperar a saúde.

Era qualquer coisa mais ou menos assim, e remete-nos para uma sociedade acelerada, ansiosa, tensa, pressionada e perturbada, uma sociedade que vive em função de trabalhar muito para ganhar muito e poder ter o conforto que hipoteticamente só o dinheiro permite alcançar.

Nos escassos tempos livres desta vida desassossegada, no entanto, olhamos para o lado e vemos pessoas simples, com empregos simples, roupas simples e carros simples, que sorriem.

Já aqui escrevi, uma vez, sobre um grupo de mulheres que, da entrada de minha casa, vi a sair de uma fábrica e a caminhar para tomar o café numa pastelaria, depois de terem almoçado o que tinham trazido de casa. Riam muito alto, abraçadas, enquanto uma cantava e as outras se divertiam.

Não precisaram de almoçar num restaurante caro para terem um momento de prazer.

Porquê? Porque provavelmente se habituaram a viver com o que tinham. Não quiseram mais do que isso, não fizeram planos ambiciosos, não se deixaram corromper pela ganância.

Ora vem esta conversa a propósito da época feliz do FC Porto.

Numa época desfavorecida financeiramente, o FC Porto não se deixou precisamente corromper pela ganância. Não fez, no fundo, depender o bem-estar de uma voragem consumista.

Aprendeu a viver com o que tem, que era basicamente o necessário para sobreviver no dia a dia, e procurou a felicidade com o que havia.

Por isso fechou o plantel muito antes dos rivais e começou a trabalhar muito cedo em cima de uma base sólida, sabendo que era com aquilo que ia contar. Não valia por isso a pena despender energias a pensar no que podia ter e não tinha, no que podia comprar, no que podia mudar.

Não se deixou contaminar por vícios ou desvirtuar pela avareza. Fechou o grupo, trancou as portas, olhou para dentro e não se deixou subornar por ingerências externas.

O Sporting e o Benfica, por outro lado, tiveram o plantel aberto até ao último dia de mercado.

Perante qualquer dúvida ou hesitação, a reação era olhar para fora, pensar em reforços, mais um lateral para Alvalade, um guarda-redes para a Luz, um lateral também para a Luz e um médio centro para Alvalade. Vende este, compra aquele, cobiça o outro.

Por isso à quarta jornada os dois rivais de Lisboa ainda não tinham o plantel fechado.

Os treinadores não sabiam com que jogadores podiam contar. E os jogadores não sabiam o que podiam esperar eles próprios. Sporting e Benfica eram por isso um monte de interrogações.

A partir daí gerou-se um fosso. O FC Porto assentou ideias, construiu alicerces e implantou uma ideia, à volta da qual ergueu uma equipa sólida, segura, confiante e ambiciosa.

Naturalmente é líder do campeonato. Porquê? Porque não deu cabo da saúde para ganhar dinheiro e por isso não teve de gastar o dinheiro para recuperar a saúde.

Não se deixou corromper pela ganância, aprendeu a viver com o que tem e soube ser feliz com isso: e apenas isso.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias