Há qualquer coisa de invulgaridade nos jogos de manhã. Falta-lhes tempo. Falta-lhes aquele ritual de deixar as horas correr e esperar. Esperar e esperar.

Deixar as horas passar, para quando finalmente chegar a altura certa sentir que aquela não é uma hora qualquer: é uma hora que vale por todos os minutos.

É um ritual de paciência que faz parte de nós.

Mas não justifica tudo. Não justifica, por exemplo, o encanto de um sol matinal. Não justifica a emergência de somar: conversas, passeios, amigos, aventuras.

As manhãs têm mais luz, mais emoção e mais ambições. Têm o dia todo pela frente e vivem cada instante com a urgência de um jovem: querem experimentar tudo, abraçar tudo, rir tudo, viver tudo. Cada minuto é celebrado como se fosse uma proeza.

As manhãs são das crianças que acordam cedo e dos idosos que não conseguem dormir até tarde. São dos avós e dos netos, que têm a mesma vertigem por existir.

Só existir.

A vida para eles é uma dádiva e cada manhã é um prémio. Por isso saem de mãos dadas a descobrir o mundo por debaixo de uma cama de nuvens azuis.

As manhãs são das famílias que encontram tempo para partilhar. Dos pais que querem ver os filhos crescer, o que por um capricho infeliz não é possível quando não estão juntos.

Dos amigos que combinam ir almoçar, à volta de uma mesa cheia de cervejas e de conversas.

As manhãs têm mais luz do que as noites. Mais abraços sinceros, sorrisos francos e conversas honestas. Têm mais gente saudável. Têm mais afeição, simpatia e cordialidade.

À noite não há por do sol, mulheres de biquini na praia ou metro a partir da uma.

Por isso o futebol durante o dia, seja de manhã ou à tarde, tem mais leveza: sem o peso grave da noite, quando todos os gatos são pardos e todos os galos estão calados. Sem a carga de um dia que acaba, sem o fardo que tem a palavra fim.

Porque não há nada mais belo do que um início. Mesmo um que se repete todos os dias.

Um jogo com luz do dia é um convite às famílias, às mulheres, às pessoas que acordam cedo e são mais felizes por isso. Como, aliás, Alvalade mostrou no último domingo, ou como o dérbi da cidade do Porto tinha mostrado há um ano.

É até um convite ao regresso às nossas origens, e às origens do próprio futebol.

Não deixa de ser curioso, de resto: o mundo nunca foi tanto uma aldeia e os povos nunca desejaram tanto a independência das suas comunidades. Na Catalunha, no País Basco, na Crimeia, na Chechénia, na Ossétia do Norte, na Morávia, na Flandres ou no Curdistão.

No fundo querem saltar fora deste tanque global e regressar às origens. Que é precisamente o que os jogos de manhã representam: o regresso  ao princípio de tudo.

Ao futebol sem torres de iluminação mas com os estádios cheios.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sextas-feiras de quinze em quinze dias (menos quando escreve às quintas-feiras)