Alfio Basile começou a treinar nos anos setenta, muito antes, portanto, de o futebol se encher de conceitos exigentes como tempo de decisão, criação de espaços e movimentação sem bola. Por isso gostava de manter as coisas simples.

«Eu coloco sempre bem as minhas equipas no campo, o problema é que quando o jogo começa os jogadores movem-se», disse uma vez.

Nesta altura até podia lembrar o dia em que Manuel Cajuda referiu que «há uma série de gente que fala em encurtamentos, transições multissetoriais, segundas e terceiras bolas, passe de primeira e segunda estação e, curiosamente, ninguém fala do passe de merda».

Podia lembrar esse dia, sim senhor, mas isso seria ridicularizar este artigo de opinião e isso, meus senhores, eu não faço. Portanto vamos manter-nos com Alfio Basile.

O argentino não escolhe palavras, não finge sorrisos, não ensaia gestos, não cuida da imagem e não vive prisioneiro de conceitos modernos. Mas nem por isso deixou de construir uma carreira muito respeitável: uma carreira que passou por Boca Juniors, Racing, San Lorenzo, Atlético Madrid e, duas vezes, pela seleção argentina.

Resistiu ao autoritarismo tático e ao resultadismo, o que me traz à memória outros treinadores.

Vicente del Bosque, por exemplo. Ou Carlo Ancelotti.

São no fundo aquela casta de treinadores que são especiais, à maneira deles: são gestores de feitios e mediadores de conflitos. São no fundo homens cuja maior qualidade é serem conciliadores, e esse é um dom raro de encontrar. Sobretudo em quem manda.

Ora quando observo Rui Vitória, quando penso no que ele tem de especial, lembro-me dessa casta incomum cuja maior qualidade é não ter qualidade nenhuma em especial.

De José Mourinho, por exemplo, disse um dia o espanhol Enric González que sabe tudo sobre o futebol, menos que é apenas um jogo: e por isso não sabe desfrutá-lo.

Rui Vitória, um pouco como Vicente del Bosque, está no lado oposto da equação: pode não saber tudo sobre o futebol, mas sabe o essencial: sabe desfrutá-lo. Sabe que é um jogo, que se disputa com uma bola e onze jogadores de cada lado.

Ora isto, meus caros, é fundamental: onze jogadores.

São eles o essencial do futebol. Por isso há que valorizá-los, há que acarinhá-los, há que mimá-los. Quando olho hoje para o Benfica, vejo onze jogadores felizes.

O que faz toda a diferença.

O início não foi fácil, é verdade, o que também faz todo o sentido: o Benfica vivia com a herança de Jorge Jesus, que é a antítese de Rui Vitória. É um treinador cheio de esquemas táticos, movimentos ensaiados e soluções estratégicas.

A entrada de Renato Sanches no onze, e uma certa anarquia que o miúdo traz com ele ao futebol da equipa, libertou o Benfica e libertou Rui Vitória.

Claro que há no futebol encarnado um ou outro movimento óbvio: há por exemplo as transições rápidas, através dos extremos ou das entradas de Renato Sanches no ataque. Mas há sobretudo um grupo de jogadores que sorri.

Vale a pena lembrar, já agora, que Vicente del Bosque foi o único treinador que conseguiu capitalizar os galácticos. Ganhou até, e por duas vezes, a Liga dos Campeões.

Curiosamente fê-lo sem fazer nada de especial: bastou deixar os jogadores serem felizes.

É isso que vejo em Rui Vitória: é esse o grande mérito do treinador do Benfica. Deixar os jogadores serem felizes a fazer o que fazem. O que nem sempre é fácil

Olho para o Benfica e vejo uma máquina de jogar futebol, que se lança ao ataque e que se empolga. Vejo no fundo uma equipa que regressa às ruas, e ao prazer do futebol.

Por isso sorri, e o futebol sorri com ela.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias