Gigi Riva é aquilo a que se chama um tipo às direitas: um homem áspero e decente. Dizem que sempre exigiu apenas uma coisa, que o tratassem como um adulto.
 
Fumador inveterado, conta-se que um dia o treinador bateu à porta do quarto dele, encontrando um grupo de jogadores a jogar póquer debaixo de uma nuvem de fumo.

A imagem a fazer lembrar uma cave nova-iorquina dos anos vinte teria merecido gritos de qualquer outro treinador, mas aquele em particular só disse uma frase.

«Abram a janela.»

No dia a seguir Gigi Riva fez dois golos e o Cagliari ganhou o jogo. Foi a melhor maneira de retribuir a confiança: e era isso que ele valorizava, que lhe dessem crédito.

Não é, no entanto, o culto do sentido de responsabilidade que traz a história de Gigi Riva a esta crónica. É mais do que isso.

Riva nasceu numa aldeia pobre, perdeu o pai com nove anos e a mãe com catorze. Começou a trabalhar para dar sustento às duas irmãs mais novas e a jogar futebol no Legnago, da quarta divisão, para juntar mais umas liras.

Um dia foi descoberto pelo Cagliari e o Cagliari nunca mais foi o mesmo. Subiu à Série A, lutou pelo título e chegou até a ser campeão. Gigi Riva foi três vezes melhor marcador da Série A, ficou uma vez em segundo na votação para Bola de Ouro e outra vez foi terceiro.

Esteve no Euro-68 e nos Mundiais 70 e 74. Ainda hoje é o melhor marcador da seleção italiana: 35 golos em 42 jogos.

Construiu uma carreira gorda, portanto.

O mais curioso é que fez tudo isto sem sair do modesto Cagliari. Porquê? Porque não quis. Por duas vezes a Juventus tentou contratá-lo, numa das ocasiões até se comprometia a construir um hospital na pobre Sardenha, mas não convenceu Riva.

O avançado, que fazia miséria quando puxava o pé esquerdo atrás para ganhar balanço, era um homem de princípios: nascera num meio pobre, vivera sempre em meios humildes e sentia-se bem entre a singeleza do povo. A Juventus era rica, muito rica, e representava precisamente o oposto do que Riva sentia ser.

Por isso disse não, muito obrigado.

Ora lembrei-me da história de Gigi Riva por causa de Rui Vitória. O novo treinador do Benfica é também ele um homem de princípios, penso que estamos todos de acordo sobre isso. Tranquilo, ponderado e afável, tem uma marca de água colada a ele.

Já construiu uma carreira muito respeitável, sempre a avançar, sempre a progredir, sempre a prosperar, mas sem nunca adulterar a essência das convicções.

Mas a verdade é que nunca orientou um grande, e sobretudo nunca orientou o maior dos grandes. 

Já o disse mais de uma vez, mas repito-o as vezes que for necessário: os protagonistas do futebol, os jogadores e os treinadores. estão sujeitos a uma pressão tão cruel quanto desumana. Mas essa crueldade é definitivamente maior no Benfica: o clube mais examinado, mais polemizado e mais desassossegado.

Rui Vitória vai ter um desafio inédito e enorme.

Não me refiro, claro, às qualidades técnicas: sobre as quais, já agora, ainda não me sinto completamente convencido, mas isso é outra conversas. Refiro-me, lá está, aos princípios, ao cavalheirismo, à cortesia, àquela elegância de valores.
 
Uma nobreza de ideais que vai ser provocada todos os dias: vai ser provocada quando surgir um tropeção e se fizerem comparações com os exageros de Jesus ou quando do outro lado do país as lamentações de Lopetegui vierem embrulhadas em acusações ao Benfica.
 
Nessa altura vai ser duro, muito duro, mas vai ser também curioso.
 
Vamos perceber se, como escreveu Lorde John Acton, o poder corrompe, ou se só corrompe os fracos. Tem a palavra Rui Vitória: para mim um herdeiro de Gigi Riva.
 
Vai valer a pena, seguramente.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias