[artigo original publicado a 26 de fevereiro]

É provavelmente o exemplo típico de equipa inglesa tocada pela felicidade no momento certo, sem aviso prévio e com escassas possibilidades de repetir a façanha no futuro.

Mas é também mais do que isso.

Num ano em que a renegociação dos direitos televisivos inundou o futebol de dinheiro - sete mil milhões de euros, é bom lembrar -, houve quem tivesse perdido a cabeça.

Os clubes grandes ingleses tornaram-se irrazoáveis e insensatos. Perderam a ponderação. Tornaram-se provavelmente gananciosos e impacientes, incapazes de respeitar o perfil que os tornava diferentes de todos os outros: o respeito por uma ideia.

Acontece a muito boa gente, com o dinheiro chega alguma avidez e uma ambição desmesurada. Por isso perderam literalmente a cabeça.

O Liverpool e o Chelsea trocaram de treinador, o Manchester City já anunciou que vai mudar e toda a gente sabe que o Manchester United também o vai fazer. Com isso abriram as portas de casa aos desequilíbrios, incapazes de se manter fiéis a um conceito.

Curiosamente as duas exceções são o Arsenal e o Tottenham: e o segundo é o grande que está a fazer uma liga inglesa regular, provavelmente o únicos que conseguiu rivalizar pelo título.

Ora o Leicester aproveitou a modorra geral e meteu a cabeça fora de água.

O clube, que como já se disse foi tocado pela felicidade no momento certo e sem aviso prévio, aproveitou uma sucessão de acasos invulgarmente felizes para se meter numa luta que não é dele: e é disso que este texto trata.

A equipa de Claudio Ranieri joga como se não houvesse amanhã, e esse é o grande mérito.

Acima de tudo tem o que falta a Chelsea, Manchester City, Liverpool ou Manchester United: tem uma ideia muito clara e saber manter-se fiel ao seu próprio padrão.

É uma equipa inglesa da cabeça aos pés.

Provavelmente é mais defensiva do que as equipas típicas do futebol inglês, joga com as linhas mais recuadas, mas quando ganha a bola é totalmente britânica: joga na frente e coloca intensidade, introduz simplicidade de processos e uma fúria demasiado típica.

Até tecnicamente é uma equipa com falhas. Tem um avançado habilidoso como é Mahrez, mas de resto a maior parte dos jogadores nem sempre faz receções orientadas, os passes muitas vezes não são precisos, o futebol nunca é enfim rigoroso.

É sobretudo físico, precipitado, musculado e frenético.

Ranieri viajou na máquina do tempo e devolveu a equipa à tradição inglesa. Joga como se não houvesse amanhã, lá está. No futebol britânico pode haver uma ideia genialmente mais simples do que essa?

Ao fim de vinte e seis jogos lidera a liga inglesa.

É claro que em vários momentos foi feliz. Mas como diria Rui Vitória, a sorte dá muito trabalho: o Leicester de Ranieri sabe o que quer, e tem uma ideia muito clara de como lá chegar.

Só por isso já valeu a pena. O futebol sabe respeitar que tem honradez de princípios.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias