Carlos Bilardo é um homem daqueles à antiga.

Orientou a seleção argentina em dois Mundiais, alcançou um título de campeão e outro de vice-campeão. Tudo isto numa seleção que não era nada de especial. Mas que tinha Maradona.

Bilardo soube capitalizar o talento do astro e montar uma equipa eficaz à volta dele.

Um dia, por exemplo, disse que os jogadores de futebol exigem sobretudo paciência. «São como as mulheres: se te dizem que não a determinada posição, o melhor é não insistir.»

Com humor e atrevimento, sublinhou a marca que o distingue: nenhum esquema tático ou estratégia é mais importante do que o jogador. No fundo eles é que ganham os jogos.

Ora é impossível não pensar nisto quando olho para o Sporting de Jorge Jesus.

Ao contrário de Bilardo, o treinador leonino insiste no erro. Esta temporada, virou o futebol da equipa do avesso e arriscou um jogo mais longo. As jogadas começam quase sempre num lançamento para o ataque, à procura do jogo aéreo do avançado, para este ganhar de cabeça e lançar a velocidade de um dos extremos.

O lançamento parte quase sempre de Rui Patrício, mas pode partir também de Coates ou Mathieu, como tantas vezes se viu, aliás, na última quarta-feira no Dragão.

Recordo-me que esta ideia correu bem em Turim, frente à Juventus, num jogo em que o Sporting marcou cedo e viveu de transições rápidas: Bas Dost ganhou muitas vezes a bola nos ares e a partir daí o Sporting chegava ao ataque em apenas três toques.

Depois desse jogo, porém, tem sido um fracasso. Foi a ruína do Sporting, na Luz, por exemplo, num jogo em que foi gritante a incapacidade leonina para segurar a bola: cada lançamento para o ataque era uma posse dada ao adversário. Que a partir daí cresceu e cresceu.

Encheu-se de confiança e de certezas, até ser melhor do que o Sporting.

O problema, porém, não esteve só na Luz: esteve numa série de jogos em que o Sporting insistiu neste tipo de jogo. Lembro-me que frente ao FC Porto, em Braga, Jorge Jesus até se irritou com Rui Patrício por este não fazer um lançamento longo que o treinador exigia.

O problema é que este futebol não funciona. O Sporting perde demasiadas bolas, não estrutura bem as jogadas, não se torna avassalador, como devia ser. Os jogadores enchem-se de dúvidas, perdem confiança, enfim. O futebol leonino tem sido uma bola de neve: cada vez mais problemas.

Por isso, e quase sem se dar por ela, já está igualado com o Benfica na classificação.

Ora o Benfica, precisamente, que tem sido o oposto do Sporting.

Jorge Jesus complica, Rui Vitória simplifica. Jorge Jesus cria, Rui Vitória aproveita. Jorge Jesus insiste, Rui Vitória condescende. Jorge Jesus valoriza a estratégia, Rui Vitória enaltece o jogador.

O Benfica lembra-me até uma frase de Zagallo que Vampeta costumava contar.

Aconteceu quando Zagallo treinava o Flamengo e era acusado de já não estar na posse de todas as capacidades mentais. Nessa altura o treinador chegava ao balneário antes dos jogos e dava o onze.

«Ele começava ‘Júlio César, Alessandro, Juan, Ayala’... e aí alguém o corrigia ‘professor, o nome dele não é Ayala, é Gamarra’, ao que o Zangallo respondia: ‘Ayala, Gamarra, é igual, é tudo paraguaio’», contava Vampeta.

Esta simplicidade de colocar as coisas, esta genuinidade, faz-me sorrir, mas sobretudo lembra-me que muitas vezes é importante ser singelo: quase corriqueiro.

O futebol não precisa de ser sempre uma coisa complicada: precisa de ter ordem, ideias e rotinas, mas precisa sobretudo de capitalizar o talento dos jogadores.

O Benfica faz isso melhor do que ninguém.

Basta aliás olhar à volta e perceber como o futebol, esse jogo de rivalidades, é muitas vezes uma dicotomia: quando uma equipa está bem, o maior rival está mal.

Acontece com o Real Madrid, este ano, mas acontece também em Itália há várias épocas, com Inter e sobretudo Milan: quanto melhor está a Juventus, pior estão eles.

O que é normal, os jogadores veem o rival a ganhar, desmoralizam-se, enchem-se de dúvidas, perdem confiança e passam a render menos do que normalmente renderiam.

O Benfica, porém, já por duas vezes esteve no fundo do poço e em ambas conseguiu sair de lá.

O início da primeira época de Rui Vitória foi desastroso e o início desta temporada voltou a ser mau. O treinador andou na corda bomba, as notícias apontavam para a sua saída iminente, mas a verdade é que não deixou de ser ele próprio: o mesmo discurso, a mesma forma de trabalhar.

Sem se deixar influenciar pelas vitórias do Sporting, primeiro, e do FC Porto, depois, o Benfica foi levantando o pé do lodo, recuperando pontos, reentrando na luta pelo primeiro lugar.

Como o conseguiu? Fechando-se numa bolha.

Nesta altura é impossível não me lembrar de todas as vezes em que Rui Vitória se recusou responder a rivais, em que não comentou jogos de outras equipas, em que disse que não ia ver o Sporting porque ia jantar com o plantel ou que não ia ver o FC Porto porque ia estar com a família.

Não queria saber. Ponto.

O discurso do treinador encarnado pode parecer vazio, as observações táticas podem parecer banais, a postura pode parecer trivial, mas a verdade é que a equipa apresenta resultados.

O que prova que ser simples também pode ser um dom: ao contrário do que Jesus pensará.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias