Na década de 30, quando o nazismo ainda não era conotados com as atrocidades que o mundo veio depois a conhecer, o Brasil teve uma equipa de futebol nazi, que curiosamente, tinha vários jogadores negros.

A história da fazenda nazi no interior de São Paulo foi sendo conhecida aos poucos, mas a fotografia da equipa perfilada com a bandeira ostentando uma suástica foi agora divulgada pela BBC numa reportagem. Antes, tinham sido encontrados tijolos com a suástica embutida e até os ferros de marcar os animais tinham a forma da cruz, que ficava depois impressa na pele do gado, como mostram várias imagens.

Recorde-se que nos anos 30 o Brasil vivia sob a ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas. Os partidos tinham sido proibidos, os políticos foram presos e jornais e revistas que não fossem simpáticos ao governo eram perseguidos. Uma sofisticada máquina publicitária, que incluía centenas de emissoras de rádio, propagava a imagem do presidente e fomentava o sentimento ultranacionalista. Além disso, o regime brasileiro tinha relações muito próximas com a Alemanha nazi. Era por isso normal haver muitos simpatizantes dos ideais de Hitler no país.

É neste contexto que surge a fazenda da família Rocha Miranda, que recolhia crianças com cerca de 10 anos em orfanatos do Rio de Janeiro, como mão-de-obra, diz a BBC, que adianta que eram submetidas a castigos e trabalhos forçados. Nos «intervalos», jogavam futebol.

Uma das provas da existência dessa equipa é a fotografia agora encontrada, mas há um registo maior: os sobreviventes. A fazenda chegou a formar um atleta, Agemiro dos Santos, que mais tarde vestiu a camisolas de clubes como Fluminense, Botafogo e Vasco da Gama.

Agemiro, agora com 89 anos, lembra-se bem dessa altura. Recorda que a equipa era boa, mas a rotina violenta de trabalho e castigos tornou-se insuportável, e fugiu. «Eles não gostavam nada de negros», conta o ex-jogador à BBC. Recorda ainda que havia fotos de Hitler e que em certos tinha fazer saudações ao líder nazi, mas diz que o faziam, mas não compreendiam o porquê.

Já adulto, Argemiro tornou-se jogador de futebol, mas a carreira foi interrompida em 1942, quando entrou para Marinha e lutou na Segunda Guerra Mundial, precisamente contra a Alemanha de Hitler. Mas garante que nada o movia contra o líder nazi. «Eu não podia odiar o Hitler, nem sabia quem ele era. Estava a lutar pelo meu país».

Os descendentes da família Rocha Miranda confirmam os ideais nazis dos seus antepassados, frisando sempre que «não era crime nessa altura», mas negam que as crianças fossem tratadas como escravos. «Era preciso controla-los, mas não eram maltratados», garantiram à reportagem da BBC.

O resto não desmentem. A equipa existiu mesmo e, a ironia é que, numa altura em que Hitler se recusou a ver um atleta negro em prova nos Jogos Olímpicos, havia no Brasil uma equipa de futebol nazi em que a maioria dos atletas eram negros.