Abandonado, saqueado. Está assim o Maracanã, cinco meses depois de cair o pano sobre os Jogos Olímpicos. O estádio que foi palco da abertura e encerramento do Rio 2016, o estádio que recebeu duas finais de Campeonatos do Mundo, ícone futebolístico e turistico do Rio de Janeiro, vai-se degradando e o futuro é uma incógnita. Um momento negro na longa história de um dos palcos míticos do desporto mundial, precisamente quando se prepara para arrancar o campeonato carioca, que devia ter vários jogos no Maraca.

O Maracanã recebeu um jogo há menos de duas semanas, no final de dezembro, organizado por Zico, que teve em campo Neymar e várias outras estrelas. As imagens aparentavam normalidade. Mas já escondiam a realidade: bancadas sem cadeiras, relvado em estado de degradação acelerada, equipamento e lixo empilhado, vidros partidos, erva a crescer, os gatos que já moravam no recinto a invadir o espaço. E o lixo do tal jogo de estrelas a acumular-se. Foi uma reportagem do jornal «Globo», que teve acesso ao interior do recinto, a denunciar a situação.

O Maracanã está no meio de um jogo do empurra. Cedido à organização do Rio 2016 durante três meses para os Jogos Olímpicos, foi devolvido, mas a concessionária que detém os direitors da sua exploração, a Maracanã SA, não o aceita. A Odebrecht, empresa de construção que é a principal acionista da concessionária e está aliás envolvida no mega-escândalo de corrupção no Brasil conhecido como Lava Jato e em suspeitas de uma rede mundial de subornos, diz que a Rio 2016 não devolveu o recinto em condições.

A Rio 2016, por seu lado, argumenta que há pequenos reparos a fazer, mas gastou mais em obras que teve de executar quando recebeu o estádio, antes do verão. E o governo do Rio de Janeiro, que é o dono da obra, não diz nada de oficial, apenas passou a informação de que entregou o estádio de volta à concessionária.

A Odebrecht, que recebeu a concessão em 2013 por 35 anos, já manifestou a intenção de desfazer o negócio, alegando que pretendia construir uma série de estruturas associadas como um centro comercial ou um museu, mas não lhe foi permitido. O Governo do Rio procura uma solução, sendo que, de acordo com a Globo, Flamengo e Fluminense, os principais clubes interessados em utilizar o Maracanã, já manifestaram interesse em assumir a concessão, em associação com várias empresas.

Enquanto isto, o estádio que teve obras profundas de remodelação para o Mundial 2014, com custos à volta dos 500 milhões de euros para os cidadãos brasileiros, continua a degradar-se.

Agora ficou sem luz, embora a empresa que fornece a iluminação garanta que não cortou o serviço e que a falha se deverá a um problema interno de circuitos elétricos do estádio. E depois sucederam-se as informações de que vários pontos do complexo do Maracanã, que inclui o estádio de futebol, o estádio de atletismo e um parque aquático, estão a ser saqueados. As denúncias começaram nas redes sociais e em blogues, depois foi o próprio presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj), Rubens Lopes, a alertar para a situação, revelando que recebeu denúncias de que a falha de luz abriu portas e barreiras eletrónicas do complexo e já foram pilhados vários objetos, incluindo aparelhos de televisão, extintores ou um busto de bronze. A polícia carioca esteve esta terça-feira no Maracanã e, segundo publicam vários meios de comunicação brasileiros, concluiu que foram roubados dois bustos, um dos quais, em bronze, o do próprio Mário Filho, o jornalista que deu o nome oficial ao estádio.

Rubens Lopes já tinha anunciado a marcação de uma reunião com os clubes cariocas para o próximo dia 17, onde seria analisada a situação do Maracanã. Mas agora apelou a uma intervenção urgente do governo. «Se não houver intervenção imediata do governo para impedir os saques e a destruição do Maracanã, talvez de nada adiante a reunião do dia 17», disse o dirigente à SporTV brasileira.

Construído para o Campeonato do Mundo de 1950, o Maracanã, foi o palco dessa decisão mítica, quando o Uruguai venceu o Brasil na decisão. E de muitos mais jogos memoráveis, e também de uma série de remodelações, que o mantiveram fechado por longos períodos.

Uma delas decorreu de uma tragédia, na final do Brasileirão de 1992 entre Flamengo e Botafogo, quando a grade de uma das bancadas cedeu e provocou a queda de centenas de pessoas. Morreram três adeptos. O estádio, que na altura chegava a receber 200 mil espectadores, esteve fechado durante mais de meio ano para obras e a sua capacidade foi reduzida em quase metade.

Voltou a entrar em obras para o Mundial de clubes de 2000, quando a sua lotação foi fixada em 103 mil espectadores. E de novo para os Jogos Panamericanos de 2007, e depois a remodelação mais profunda, para o Mundial 2014.

O resultado foi um estádio moderno, agora com capacidade para 78 mil espectadores, ainda o maior e mais simbólico estádio do Brasil. Mas no intervalo deixou os clubes do Rio de Janeiro que o utilizavam sem casa e a queixarem-se de custos de utilização definidos pela concessionária demasiado pesados. Rubens Lopes resume a questão nestes termos: «Para o futebol carioca, a pior coisa que já aconteceu foi a Copa do Mundo. Tiraram o Maracanã do carioca por três anos. Depois, colocaram o estádio com um custo extremamente elevado. E agora estamos nessa situação de hoje: um estádio sem condição de uso.»

O Maraca, como lhe chamam os cariocas, ainda recebeu alguns jogos oficiais depois dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, quatro do Flamengo, duas do Fluminense. Mas os clubes, segundo conta também a Globo, utilizaram o recinto numa base informal, com avais verbais das várias entidades envolvidas. Tal como Zico no seu jogo de 29 de dezembro.

E entretanto está aí o Carioca. Começa já nesta quarta-feira, para já com uma fase preliminar, onde ainda não entram os grandes clubes do Rio. Mas tem já um jogo grande a 29 de janeiro, entre Vasco e Fluminense. E, embora os regulamentos do campeonato digam que os clássicos e os jogos decisivos devem realizar-se no Maracanã, a Federação carioca já agendou o encontro para outro estádio, o Engenhão.