CAMINHOS DE PORTUGAL é uma nova rubrica do jornal Maisfutebol que visita o dia-a-dia de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

AMORA FUTEBOL CLUBE, III DIVISÃO

Contar a história do Amora obriga a fazer um desvio também com história: houve um dia em que o clube da margem sul colocou uma página em branco na frente de Jorge Jesus. O treinador tinha 35 anos e procurava lançar-se numa nova carreira. O Amora mandou-o começar a escrever a história.

«Nessa altura estava no Almancilense como jogador-treinador», começa por recordar António Duro. «Fomos buscá-lo a meio da época já na perspetiva de ser o treinador da equipa. Chegou cheio de vontade, com ideias próprias que no início eram um bocadinho surpreendentes para toda a gente.»

António Duro era o secretário técnico do Amora, cargo que aliás ainda mantém. Passados mais de trinta anos. Jorge Jesus, esse, era um jovem que se afirmava pela personalidade forte. «Ele era fã do Barcelona, de Cruijff. Chegou a fazer lá uns estágios e queria trazer aquelas ideias para o Amora.»

Nada de novo, aliás: o início da carreira de treinador de Jesus veio sempre ancorado no Barça, de Cruijff. «Era um treinador muito ofensivo e com ideias que pareciam um bocadinho estranhas. Aquilo custava a ser entendido pela equipa, mas ele não desistia delas e no fim fazia tudo sentido.»

Jesus esteve mais de três anos no Amora, conseguiu subir a equipa à II Liga e no último ano treinou um jovem Casquilha no plantel. O antigo treinador do Moreirense trocou o Benfica pelo Amora, no início de uma carreira que haveria de ser longa, e encontrou Jesus também no princípio de tudo.

«Nas palestras dizia-nos frequentemente que queria jogar como o Barça e corrigia erros nossos com exemplos de jogos do Barcelona. Mas já nessa altura se notava que ia longe. Era um treinador muito forte no treino, muito dinâmico, com ideias claras e com conceções táticas avançadas para a altura.»

Nesse ano Jesus já somava no currículo uma subida do Amora à Honra e portanto «tinha moral» para impor as ideias revolucionárias aos jogadores, esclarece Casquilha. Até que veio... o Benfica. Uma eliminatória da Taça de Portugal, a 3 fevereiro de 1993, mudaria para sempre a relação.

«Foi um jogo que correu mal. Jesus não sabia jogar para não perder, era sempre ao ataque e o Benfica tinha uma equipa muito forte.» O onze encarnado entrava com Neno, Abel Xavier, Hélder, William e Fernando Mendes, Paulo Sousa, Mostovoi e Rui Costa, João Pinto, Iuran e Pacheco.

António Duro diz que «foi um jogo a meio da semana» no qual o Amora se apresentou «cansado», Casquilha adianta que a equipa «teve a primeira ocasião de golo», mas não marcou. «Sofremos um golo perto do intervalo, desestabilizámo-nos e foi o fim.» Na segunda parte o Benfica goleou: 5-0.

Iuran fez dois golos, Mostovoi, Pacheco e Paulo Sousa marcaram um cada. «Pouco tempo depois Jesus saiu e veio José Augusto.» O Amora vivia uma época terrível, com ordenados em atraso, convulsão interna e maus resultados. A goleada na Luz foi a gota de água: Jesus bateu com a porta.

Longe de imaginar que o Benfica ainda o faria tão feliz.