CAMINHOS DE PORTUGAL é uma nova rubrica do jornal Maisfutebol que visita o dia-a-dia de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

1980-1983. Ciclo dourado na longa e profícua vida do Amora Futebol Clube. Três presenças na 1ª divisão nacional. Bancadas repletas de paixão na Medideira, olhos hipnotizados pelo pelado da bola, nomes grandes a envergar o emblema azul e branco: Diamantino, Jorge Plácido, Jorge Silva e, acima de todos, O Maior. Sim, o saudoso Vítor Batista.

32 anos, a face engolida pela barba descuidada, lesões atrás de lesões. O ponta-de-lança entra numa espiral de decadência, testemunhada de perto por Mário Narciso. Narciso, aliás, conhecera Vítor Batista anos antes, no V. Setúbal, onde já tinha sido seu colega de quarto.

«O Vítor fez seis/sete jogos pelo Amora só. Assisti a episódios inacreditáveis. Aturei-lhe muitas maluquices, nos treinos, nos jogos e nos estágios», conta o atual selecionador nacional de futebol de praia ao Maisfutebol.

«Vi-o várias vezes drogado. No hotel em Tróia era sempre a mesma coisa. Ia para a varanda, fechava a janela e eu só via fumo, fumo e mais fumo. Vinha para dentro e já nem falava. Não adiantava dizer-lhe nada», recorda Mário Narciso.

Depois de uma passagem pelos EUA (San Jose Earthquakes), o Amora surgiu como mais uma tentativa para a regeneração do Maior. O clube ficava perto da zona onde vivia, teria o apoio dos amigos mais próximos, mas Vítor Batista já só vivia para a droga.

«Ele chegava já de manhã transtornado aos treinos. Num deles, estávamos a fazer trabalho de resistência em redor do relvado. O estádio estava em obras. Estávamos esgotados e o Vítor ainda não tinha aparecido. De repente olho para a parte de trás do pelotão e lá estava ele, de bicicleta. Tinha-a roubado ao pedreiro que andava por lá».

O treinador era José Moniz. Pouco pôde fazer. «Gritou com ele, claro, e o Vítor só dizia: professor, tenho muitas voltas em atraso. Deixe-me pedalar à vontade para recuperar». O Maior era assim.

A dada altura do ano, Vítor Batista desapareceu. «No jogo decisivo, no Restelo, já não apareceu. Ganhámos 1-2 e salvámo-nos da descida. O resto da história dele é o que se sabe».

De Mourinho Félix aos tempos de penúria

Mourinho Félix, pai do Special One, foi um dos dois treinadores do clube no ano de estreia na I Liga. O clube acabou no 12º lugar, marca melhorada na temporada seguinte. O 11º lugar em 1981/82 é até aos dias de hoje recorde na instituição da margem sul do Tejo.

Nessa época de tão boa memória amorense, a equipa treinada por José Moniz venceu no Estádio da Luz (0-1) e foi empatar às Antas (1-1). Um escândalo para a ordem instituída, um golpe palaciano dirigido por um dos clubes da moda às convenções da época.

A despromoção à 2ª divisão, e o adeus ao convívio entre os grandes, viria a ser sentenciada em 1983. António Medeiros não foi a tempo de salvar o Amora e o penúltimo lugar (15º) destroçou o projeto que passava por solidificar o clube no escalão maior.

A última participação do Amora Futebol Clube em competições profissionais ocorreu na época 1994/95. O 17º lugar na Honra empurrou os amorenses para o ocaso nas divisões inferiores e levou-os à penúria, muito em virtude também da crise que esmagou a indústria e o comércio na região do Seixal.

Amora FC na 1ª divisão nacional, época 1982/83