CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

Se associa o futebol distrital a campos pelados, peão, público amontoado sobre o muro que veda o campo enquanto atira um palpite sobre o jogo entre uma bifana e uma cerveja, esqueça o Recreio de Águeda.

Falamos de um clube que, apesar de militar na I Divisão da Associação de Futebol de Aveiro, possui infraestruturas de fazer corar muitos dos principais emblemas do futebol nacional. O Estádio tem capacidade para dez mil pessoas e, ali ao lado, ficam dois campos de treino para que nada falte na preparação para cada jogo.

O Recreio de Águeda, que conta com uma passagem pela I Liga, na temporada 1983/84, é um clube em reconstrução. E que acredita num futuro melhor. Uma espécie de contraciclo quando o que se fala diariamente é de crise e ameaça de fecho de portas.

Albano Soares é, atualmente, diretor desportivo do Águeda e fala de um emblema com «uma grande margem de progressão» que anseia voltar aos Nacionais mas não quer dar passos em falso. Um bom ponto de partida está dado: «O Águeda começa a ser um clube estável financeiramente.»

«Penso que o pior já lá vai. Algumas pessoas ligadas ao passado deste clube foram chamadas novamente para recuperá-lo e tem havido muita recetividade. Estamos a criar um movimento composto por antigos dirigentes honrados e jovens cultos com grande amor ao Recreio de Águeda», conta, em conversa com o Maisfutebol.

Prestes a completar 90 anos de idade (a festa está marcada para 12 de abril), o Recreio de Águeda é um histórico do futebol nacional. Fernando Balreira foi vice-presidente aquando da passagem pela Divisão máxima em Portugal e está a tentar ajudar a reerguer o clube.

«Quando o clube caiu da I Divisão não digo que tenha havido insensibilidade ou falta de desejo de voltar, mas houve algum afastamento. Os clubes de futebol valem muito pelas pessoas que estão à frente deles e o Recreio precisa de gente credenciada. Não pode é entrar em euforias irrealizáveis. É preciso muita cautela», alerta.

Contra o Benfica era tanta gente…que até entraram em campo

Águeda é uma zona que vive muito da indústria. Albano Soares lembra que o clube, nos anos 80, vivia «da pujança de uma sociedade muito diferente da de hoje». «Havia pujança económica. As pessoas viviam o clube com grande intensidade. Sobrava tempo às pessoas e era possível investir no clube. Hoje o cenário é diferente e Águeda não foge à regra», lamenta.

Horácio Marçal era o presidente nesse período dourado. Assume que foi difícil montar uma equipa para a elite do futebol português mas recorda a satisfação de ter os grandes de Portugal a jogar em Águeda.

«Lembro-me do jogo com o Benfica em que era tanta gente, tanta gente que o jogo teve de ser interrompido porque já havia pessoas dentro do campo. Iam entrando sempre e acabaram por passar a linha», conta.

Curiosamente, a lógica, ditada pela diferença de 30 anos, inverteu-se: quando esteve na I Divisão, jogava num pelado, agora compete no tapete verde do Municipal local. 

Albano Soares, que acabou por ser o treinador da equipa no final dessa época, fala de um cenário de euforia a cada domingo: «Nos dias de jogo era um reboliço em Águeda. Nos jogos grandes então havia gente na rua às 6 da manhã já a falar do jogo.»

O Águeda, contudo, acabou por ficar na Liga apenas nessa época de 1983/84. «Naquele ano não desceu a pior equipa. Desceu uma equipa inexperiente, com uma estrutura ainda impreparada para a I Divisão», lamenta Albano Soares.

«Na penúltima jornada veio cá jogar o Espinho que já estava condenado, mas como o futebol é uma surpresa, deram tudo e ganharam-nos. Fomos para a última a precisar de um empate com o Rio Ave. Estivemos até a ganhar um zero mas perdemos e descemos nós e o Espinho. Duas equipas de Aveiro», sublinha Horácio Marçal.

Albano Soares não tem dúvidas: «Se não tivéssemos descido pode ter a certeza que o Águeda, ainda hoje, seria um clube de I Divisão.»

Recorde um Águeda-FC Porto na I Divisão em 1983/84:



Subir aos Nacionais? Sim, mas com cautelas

O Recreio de Águeda tem, atualmente, cerca de dois mil sócios mas quer dobrar a marca. O processo de reestruturação, que terá o ponto de partida nas comemorações dos 90 anos, é a chave do reerguer do histórico.

Fernando Balreira destaca que é preciso fazer um trabalho idêntico ao que se fez no início dos anos 80. «Anos antes estávamos a preparar uma equipa para subir à I Divisão a médio prazo. Agora tem de pensar-se também assim. Um passo de cada vez. É necessário um coletivo muito forte e não estou a falar apenas da equipa de futebol», destaca.

Voltar aos nacionais poderia dar mais sentido ainda a todo este processo e Albano Soares não o descarta. O diretor desportivo, que outrora foi treinador, lembra que há outras prioridades mas ninguém irá enjeitar uma oportunidade.

Para já, o Recreio de Águeda ocupa o 5º lugar do seu escalão, a dez pontos do líder Sanjoanense. Subir este ano já não será fácil, mas o principal é unir, de novo, a cidade à volta da equipa.

«Há um futuro risonho para o Águeda que tem bons jogadores, jovens, condições muito boas, um estádio de luxo, dos melhores do país e é uma pena que não esteja a aproveitar tudo isto de outra forma», lamenta Horácio Marçal.

Mas o sol pode voltar a brilhar e a iluminar o caminho de um histórico com 90 anos. Albano Soares remata a ideia, em jeito de conclusão: «Acredito que ainda vai acontecer um momento muito bonito para este clube.»