CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

LOULETANO DESPORTOS CLUBE – Campeonato de Portugal (Série H)


Por ser de mais fácil acesso, num meio como o Campeonato de Portugal, onde o dinheiro não abunda, é normal encontrar equipas maioritariamente constituídas por portugueses. Em Loulé é diferente. Ou quase. Lá encontramos o Louletano dos Desportos Clube, um dos históricos portugueses, a caminho dos 100 anos de vida, mas com um novo perfume desde há um tempo a esta parte. Um toque multicultural. 

A crise toca a todos, diz-nos Gilson Pagani, diretor desportivo. É ele o cicerone do Maisfutebol por um clube que conhece como poucos, mesmo tendo nascido do outro lado do Atlântico. Veio para o Algarve em 1987 e nunca mais voltou a Governador Valadares, a terra onde nasceu, em Minas Gerais. Foi jogador e, hoje, é o diretor desportivo. E o homem que trouxe a solução para a tal crise que referíamos.

Em conversa com o nosso jornal, explica tudo: «Todas as ajudas são boas para quem tem pouco. Com essa crise, claro que o Louletano também seria afetado. Era preciso uma solução.»

E essa tinha nome próprio: Abdulmouti Kaaki. Um empresário saudita que era um velho conhecido de Gilson Pagani. «Fiz a ponte, por assim dizer, entre ele e a direção. Ele viu que o Louletano é um clube com um potencial enorme e decidiu apostar cá. O presidente também gostou da proposta e ficou tudo acertado», esclarece.

Foi em junho de 2014 que o projeto foi apresentado. O ponto de partida para a construção de um Louletano diferente com um objetivo assumido: regressar às competições nacionais. A equipa algarvia nunca disputou o principal escalão do futebol português, mas esteve cinco anos na II Liga na década de 90. Voltar lá era a etapa mínima.

Nem tudo corre como planeado, porém. Veio dinheiro, chegaram reforços, muitos. Mas...

«O futebol é uma caixinha de surpresas. Nunca podemos dizer que sabemos ao certo o que vai acontecer. Conseguimos um investidor para melhorar a equipa, mas depois, seja com Luís Manuel, seja com Eurico Gomes não conseguimos os nossos objetivos. Trocamos agora para o Ivo Soares e espero que estas duas vitórias possam dar a confiança que falta à equipa. Porque o grupo é bom»
, garante Gilson Pagani.

Barreirense-Louletano do Campeonato de Portugal:



Num plantel de 24 jogadores, dez são estrangeiros. Nada normal para os padrões do terceiro escalão do futebol luso. Há seis brasileiros, vários contratados com ajuda de um outro empresário que garantiu parte da despesa, mais dois sauditas, um tunisino e um paraguaio. A ideia era dotar a equipa de qualidade. Falta estabilizar agora.

Neste momento, o Louletano ocupa o penúltimo lugar da Série H do Campeonato de Portugal. Vai no terceiro treinador da época. Ivo Soares, guarda-redes que se destacou no vizinho Farense, tem como meta acalmar as hostes. As duas vitórias nos últimos dois jogos ajudam.

Caleb: partilhou o balneário com Rivaldo e hoje marca golos em Loulé

Um dos brasileiros do plantel é Caleb. Avançado que tanto pode jogar no centro como no flanco. No Louletano tem sido, essencialmente, extremo, mas mesmo mais afastado da área não deixa de ser o melhor marcador da equipa: já lá vão oito golos em quinze jogos.

«Tem sido uma experiência boa. É um clube organizado, dentro do que eu estava à espera e não tenho sentido problemas de maior. Está agora a fazer cinco meses desde que cheguei, acho que adaptei-me bem. O estilo de jogo é diferente, mais tático, com mais contacto. No Brasil é mais solto. No primeiro mês foi duro, mas lá consegui acostumar-me», conta ao Maisfutebol.

Caleb, de 23 anos, ansiava há algum tempo uma oportunidade na Europa. «Estando aqui, outras portas podem abrir-se», comenta. Encontrou um clube que correspondeu às expectativas: «Pesquisei antes de vir, sabia o que ia encontrar. Já joguei em clubes de maior expressão no Brasil, por isso já estive em clubes com estruturas maiores, mas se formos a comparar com clubes deste nível acho que se equipara.»

Chegou, então, a Portugal no início da época oriundo do Resente. Antes representou o América Mineiro, o Nacional de Minas, o Boa Esporte, o Criciúma e o São Caetano. Neste último, teve a oportunidade de partilhar o balneário com um campeão do mundo.

«Joguei com o Rivaldo», revela. «Era o craque, mostrava muita diferença para os outros apesar da idade. Deu para aprender bastante com ele, porque ele preocupava-se sempre em conversar, era muito humilde e partilhava muito do seu talento com os mais novos», acrescenta.

Trouxe para Loulé um pouco do que aprendeu, também. Para ser mais um na engrenagem que quer dar outros voos ao Louletano. «Tivemos algumas derrotas 'bobas', em jogos em que mandámos quase de início a fim e depois perdemos. Agora conseguimos duas vitórias seguidas e já deu para respirar um bocado»
, sublinha.


Um Sporting-Louletano, na Taça de Portugal, em 2008

Uma integração tranquila e sem choques culturais

Gilson Pagani é um dos responsáveis por integrar da melhor forma os estrangeiros do grupo. Quem melhor que um estrangeiro que passou pelo mesmo para o fazer?

«A integração deles, por incrível que pareça, foi muito boa. Loulé já está acostumado a ter muitos estrangeiros. Mesmo jogadores, porque o Louletano, na sua história, já teve muitos brasileiros. Loulé é uma cidade aberta, carinhosa, toda a gente se sente bem. Olhe o meu caso, vim para cá há 28 anos e ainda estou. Já me sinto português. Portanto a integração diria que foi o mais fácil», avalia.

A ideia é partilhada por Caleb, para quem ter compatriotas por perto também ajuda: «Mas mesmo com os portugueses a relação é muito boa. Moro com a minha esposa, que veio para cá há dois meses. Temos uma relação muito boa com o grupo de brasileiros e com todos.»

Com os árabes, contudo, a situação é ligeiramente diferente. Não porque haja qualquer choque cultural, que ambos negam. O problema é mesmo a língua. «Mas eles já estão a começar a ter aulas de português», avisa Pagani.

Estádio do Algarve é casa emprestada: «Tomara que dê certo»

Esta época, o Louletano passou a utilizar o Estádio do Algarve. Um dos estádios do Euro 2004, porventura o que mais polémica deu aquando da sua construção. Colocado entre os municípios de Faro e Loulé, acabava por não ser o ideal para nenhuma das equipas mais representativas das duas cidades. Além disso, nem Farense nem Louletano viviam períodos fulgurantes da carreira, por aqueles dias. Longe disso.



O estádio subsiste com utilizações esporádicas. Agora, é a casa do Louletano. Decisão dos treinadores, explica Gilson Pagani: «O Estádio Municipal de Loulé abrange também as camadas jovens e acharam que era melhor para a equipa jogar no Estádio do Algarve. Bom…levamos o caso à direção, que aceitou e estamos a jogar lá. É outra dimensão. Tomara que dê tudo certo.»


Caleb não esconde que adora o palco. «É um estádio e tanto», atira. «Muito bonito, relvado muito bom. Merece jogos de outro patamar, até», considera.

Problema? Fica mais longe da cidade. O Louletano tenta resolver esse entrave como pode. «Disponibilizamos autocarros para os sócios, nos dias de jogo. É diferente, logicamente, o outro estádio é mais perto da cidade, mas tentamos que não seja por isso que os sócios fiquem fora do estádio. Pelos anos em que estou cá, seja em que estádio for, o nosso público está sempre presente», comenta Gilson PAgani.

Neste ponto, contudo, Caleb assume alguma desilusão: «Esperava que houvesse mais gente a apoiar-nos.»

«Infelizmente são poucos no estádio. Na cidade, de vez em quando, ainda param para falar, mas no estádio a apoiar são bem poucos. No Brasil havia muito mais gente a ver os jogos. Não sei os motivos, não sei se é da Divisão se é por causa do clube não estar a ir muito bem…», comenta.

Mais otimista, Gilson Pagani destaca a estrutura do clube que, assevera, impressiona os treinadores que por lá passam. «Todos os treinadores dizem que o Louletano tem estrutura de II Liga ou até de I Liga. Por isso, entendo que por esse lado podemos perfeitamente lá chegar», diz.

«Mas primeiro pensamos no hoje. Tive o privilégio de representar o Louletano no tempo em que estivemos na II Liga. Foram cinco anos. Fizemos três anos muito bons e dois mais ou menos. No último, infelizmente, acabamos por descer. É um clube com uma aposta muito forte nas camadas jovens. Deve ser dos clubes de Portugal que mais aposta nos jovens da casa. Voltar lá era um sonho meu e de toda a direção. Casa passo que damos é a pensar nisso»,
completa.

Um sonho dividido por estrutura, equipa técnica, jogadores e adeptos. Seja de que país forem.