CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

GRUPO DESPORTIVO RIOPELE (15º classificado na I Divisão, 1977/78)

Vestiam de verde e branco, garbosos. Diziam-se diferentes. Ao peito, a marca registada: RIOPELE. Até nisso se sentiam distintos. «Fomos o primeiro clube português a ter publicidade nos equipamentos».

José Alexandre Oliveira é o presidente do Conselho de Administração da Fábrica Têxtil Riopele SA. Neto do fundador da companhia, desde cedo se habituou a cirandar pelo campo de futebol e a perder-se nos amplos corredores da empresa.

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Viu os primeiros funcionários a representá-la em ligas particulares, assistiu às primeiras participações nos campeonatos distritais de Braga, aplaudiu em surpresa a ascensão nos escalões nacionais.

No verão de 1977, o Grupo Desportivo Riopele chegou, enfim, à I Divisão Nacional. As gentes de Pousada de Saramagos, concelho de Famalicão, não podiam andar mais orgulhosas. A passagem foi breve, durou um ano, mas gravou as insígnias do clube-empresa no léxico do futebol nacional.

O GD Riopele fechou as portas em 1985. A casa-mãe prossegue o trilho de sucesso na indústria têxtil.

«Naquela terra batida jogava-se muito e bom futebol»

Com quatro mil funcionários, 700 sócios e um parque de jogos capaz de acolher 25 mil visitantes, o brioso Riopele lançou-se na aventura do profissionalismo. José Alexandre Oliveira era, à data, vice-presidente e homem forte do futebol.

Nas primeiras palavras ao Maisfutebol, o antigo dirigente faz logo uma revelação ousada: «o tiki-taka em Portugal nasceu no nosso pelado», sublinha, no que é de imediato apoiado por Carlos Padrão, um dos guarda-redes desse plantel.



Padrão, formado no Sporting e posteriormente campeão nacional no FC Porto de Carlos Alberto Silva. «O senhor Ferreirinha era um treinador fantástico, com uma ideia de jogo original para a época: passe curto, sempre, e muita movimentação. Não duvide: naquela terra batida jogava-se muito e bom futebol».

O Parque José Dias de Oliveira tornou-se, então, ponto de romaria dominical. Quem seriam aqueles desconhecidos que tanto trabalho davam a quem os visitava? Padrão conta.

«O maestro era o Luís Pereira, o nosso Xavi. Depois tínhamos o Neca, o Barros e, claro, o meu compadre: o Jorge Jesus», diz o ex-guarda-redes desse famoso Riopele.

«Ele era um excelente interior esquerdo, adorava esse tipo de futebol. Na segunda fase da época ainda jogou a ponta-de-lança por causa da lesão grave do Fernando Garcês».

Riopele-Benfica: 1-4, lágrimas para todos

Como em qualquer boa história, esta também foi decidida de forma dramática. Na última jornada do campeonato, o Riopele recebeu o Benfica. Para sobreviver teria de vencer. Afinal, desciam quatro clubes e a concorrência estava toda por perto.

Nada feito. Com as bancadas a abarrotar, as águias triunfaram por 1-4: golo de António Luís para os minhotos; Nené, Rui Lopes (2) e José Luís marcaram para os lisboetas. Padrão recupera memórias com 36 anos de lastro.

«Nem assim eles foram campeões. O FC Porto também ganhou [4-0 ao Braga], acabou tudo a chorar». A tarde foi feita de lágrimas, sim, mas também de episódios memoráveis. Ora, com licença.

«Numa defesa fácil, voei para a bola com grande aparato e agarrei-a cheio de estilo. O Toni, capitão do Benfica, veio ter comigo e disse: é preciso tanta coisa? Despacha-te mas é!. E eu lá lhe respondi: eu é que sei, tenho de vender o meu peixe. Sempre que estamos juntos falamos disto».



Um carpinteiro na marcação a Vítor Batista

O GD Riopele era, literalmente, «uma fábrica de campeões». «Sete ou oito» jogadores do plantel acumulavam deveres entre a empresa e o clube. «O falecido Orlando, por exemplo, era um belo carpinteiro e um central fantástico», conta o dr. José Alexandre Oliveira.

«Contra o Benfica, na Luz, teve de marcar o Vítor Batista. Enervou-o tanto, tanto, que o homem às tantas começou a simpatizar com ele: o que fazes na empresa? És carpinteiro? E treinas? Quanto ganhas? Bem, a verdade é que ele só marcou no último minuto».

O Riopele perdeu na Luz por 3-0 e em Alvalade 2-1. Nessa tarde, porém, ficou perto, muito perto de levar um ponto para Pousada de Saramagos.

«O Piruta teve um penálti mesmo a acabar e falhou-o. O ambiente intimidou-o».

«Às terças e quintas jogam patrões contra empregados»

A descida foi um punhal espetado nas costas de um projeto extraordinário. O Riopele caiu à II Divisão e resistiu mais sete temporadas. O futebol morreu em 1985 para não mais regressar. As razões foram fortes.

«Tivemos de resguardar o bom nome da empresa. O futebol é um mundo de emoções e percebemos que estávamos a entrar em lutas que não nos interessavam. Vou ser direto: a mim preocupam-me é os postos de trabalho e o bom funcionamento da companhia», atira José Alexandre Oliveira.

«Não foi possível juntar o nosso nome ao profissionalismo mais tempo. Regressar? É difícil. Somos uma empresa 99 por cento exportadora e o nosso mercado publicitário está lá fora. Por acaso tivemos um grande convívio no dia 26 de abril, juntámos duas mil pessoas e claro que toda a gente recorda com emoção o GD Riopele. Talvez um dia regressemos, mas só se for no futebol juvenil».

A Riopele pode ter fugido do futebol, mas o futebol persegue-a quase diariamente. O campo de futebol continua altivo, no mesmo lugar e com uma taxa de utilização apreciável.

«Às terças e quintas, entre as 18 e as 21 horas, os vários departamentos da empresa jogam lá futebol. Não há patrões nem empregados, somos todos iguais».

«Aos sábados vêm equipas de fora e ainda temos as camadas jovens do Joane a jogar cá. O futebol faz parte da nossa essência, mesmo que a nossa equipa tenha acabado há 29 anos», remata José Alexandre Oliveira.