À hora da chamada do Maisfutebol, Rogério Arrais, presidente do Ferreira de Aves há 17 anos, faz uma pausa no apoio às obras do campo de futebol, que decorrem debaixo de um calor abrasador. É uma corrida contra o tempo a poucos dias do arranque do Campeonato de Portugal, onde a equipa do concelho de Sátão, distrito de Viseu, vai estar pela primeira vez.

A subida histórica trouxe um sentimento inédito de felicidade, mas também novas exigências, como a revisão dos níveis de segurança, o alargamento obrigatório do relvado e a construção de uma bancada. Só em obras serão gastos pelo menos 50 mil euros.

Rogério Arrais faz as contas e estima que o orçamento para o futebol do Ferreira de Aves (excluindo as obras) suba dos 70 para os 120 mil euros na época que está prestes a começar.

Salários, custos de inscrição, taxas e viagens. Tudo isto vai pesar mais a partir de agora aos clubes recém-promovidos aos nacionais.

«Se fosse para andar a levar pancada de todos acabávamos logo com isto. Conseguimos acordar um subsídio que é razoável», diz o presidente do Ferreira de Aves, que vai competir na Série C (FOTO: Facebook Ferreira de Aves)

«São despesas muito grandes. Este ano gastámos 5 mil e tal euros para inscrever a equipa. E só os 21 jogadores, já nem falo da equipa técnica e dos diretores. No ano passado andava pelos 2 mil e tal», observa Rogério Arrais.

O dirigente fala ainda das taxas cobradas por cada jogo realizado dentro de portas. «Temos de pagar o IVA sobre os bilhetes e um valor para a FPF, para cobrir despesas com a arbitragem [650 euros] e a organização do jogo [210€]. São perto de 900 euros e no ano passado eram 250. Não tem sido fácil, mas vamos conseguindo, mais pontapé menos pontapé.»

O desafio passa também por encontrar quem esteja disponível para ajudar a dar os tais pontapés. No caso do Ferreira de Aves, os apoios também cresceram. Os patrocinadores aumentaram os apoios, uma marca disponibilizou-se para cobrir os custos dos equipamentos de jogo e de treino e a autarquia subiu em mais de 30 mil euros (rondava os 50 mil) o montante do subsídio anual pago à equipa. «Tinha de ser assim. Ou o município queria ter uma equipa competitiva, ou se fosse para andar a levar pancada de todos acabávamos logo com isto. Conseguimos acordar um subsídio que é razoável e que vai dar-nos uma grande ajuda», conta Rogério Arrais.

O Ferreira de Aves não será a única equipa que vai viver nesta época pela primeira vez as exigências dos campeonatos nacionais.

Ao vencer o Campeonato de Futebol dos Açores, o Sporting Clube de Guadalupe conquistou o direito de tornar-se na primeira equipa da Ilha Graciosa, a segunda mais pequena do arquipélago, a atingir este patamar.

Bernardino Espínola, presidente do clube, fala num momento que está a ser vivido de forma especial não apenas pelos seus adeptos. «Está toda a gente contente. Vê-se isso mesmo nas outras equipas. A nossa subida vai ser uma mais-valia para a ilha: provavelmente, vai trazer cá pessoas que nunca visitaram a Ilha Graciosa», constata.

Um aspeto positivo no meio de dores de crescimento e constrangimentos antecipados pelo dirigente para a próxima época, que terá de ser atacada com um orçamento modesto, provavelmente um dos mais baixos entre as equipas que vão competir no Campeonato de Portugal.

«Tivemos algumas dificuldades porque não tivemos direito à palavra Açores na camisa e não vamos receber nada do Governo Regional», introduz. O presidente do clube da Graciosa fala de um subsídio de 96 mil euros atribuído a quatro equipas açoriana presentes no Campeonato de Portugal: Operário, Lusitânia, Ideal e Praiense, tudo conjuntos que já lá estavam em 2016/17. «Ainda falámos com alguém do nosso Governo para que o bolo fosse dividido por cinco equipas, mas disseram que não iam abrir exceções. É um apoio que nos vai fazer muita falta. Ainda nem sabemos o que vamos receber da nossa câmara e temos uns apoiozinhos da nossa junta de freguesia, que nos pagou a inscrição, e de algumas entidades e lojas.»

O regulamento do Campeonato de Portugal prevê um número máximo de seis clubes por região autónoma na competição, havendo a possibilidade de este número crescer em caso de descida de divisão de uma equipa ou mais equipas pertencentes ao mesmo arquipélago.

O orçamento do Sporting de Guadalupe para 2017/18 rondará os 70 a 80 mil euros, valores que representam uma subida inferior a 10 por cento em comparação com a época passada. «Não podemos ir com mais. Com o apoio do Governo Regional podíamos fazer uma equipa melhor, trazer jogadores de outro nível e ter 20 e tal jogadores em vez de 18.»

Sporting de Guadapupe vai participar pela primeira vez nos campeonatos nacionais (FOTO: Facebook SC Guadalupe)

Plantel curto e salários congelados para quem transita do plantel de um ano para o outro (os jogadores foram sensíveis às dificuldades, diz o presidente) numa equipa em que 14 jogadores são açorianos e metade deles da ilha. O que foi possível ter para o batismo nos nacionais e o que haverá para buscar um milagre no qual Bernardino Espínola não parece estar muito crente, embora garanta que a equipa vai lutar para o atingir: a manutenção. «Descem seis equipas em 16. Vai ser complicado, mas vamos ver.»

Se o plantel do Sporting de Guadalupe é composto maioritariamente por jogadores naturais do arquipélago, o exemplo do Câmara de Lobos vai muito para além disso. O emblema madeirense, de regresso aos nacionais pela primeira vez desde a extinção do Campeonato de Portugal em 2013, terá um plantel composto exclusivamente por jogadores da ilha: 24. Ao abrigo de um protocolo assinado com a autarquia local (que se comprometeu a financiar o clube em 85 mil euros), ficou ainda estabelecida a obrigatoriedade de pelo menos 70 por cento dos atletas terem feito formação no clube.

«Já nos apelidaram de País Basco da Região Autónoma da Madeira. Não temos qualquer sentimento discriminatório mas gostamos de ser assim», diz o presidente do clube numa referência ao Athletic Bilbao, equipa espanhola com jogadores exclusivamente bascos.

Higino Teles fala com orgulho indisfarçável do emblema ao qual está ligado há 38 anos e que está prestes a completar quatro décadas de existência: começou como jogador, foi treinador nas camadas jovens e chegou a presidente em 2007. Diz-se feliz pelo regresso da equipa aos nacionais, mas lamenta que tenha ficado inserida na Série A, que contempla deslocações a Trás-os-Montes e Alto Douro), e sem rivais madeirenses como adversários.

Totalidade dos jogadores do Câmara de Lobos são madeirenses e a grande maioria fez formação no clube (FOTO: Facebook Câmara de Lobos)

«Estávamos a contar com 13 deslocações e temos de ficar com 15. E por azar fomos parar a Trás-os-Montes, onde vamos ter distâncias terrestres mais longas. Num passado recente, as equipas madeirenses ficavam na mesma série, o que era importante porque os dérbis são sempre muito apetecíveis e garantem um aumento da bilheteira e do comércio local», nota.

Os muitos quilómetros de viagens terrestres no continente e os gastos em alimentação e estadias antes dos jogos vão fazer disparar o orçamento do Câmara de Lobos. Para cobrir isso, as viagens aéreas extras (só 18 são comparticipadas a 100 por cento) e os restantes custos do futebol, os gastos rondarão os 140 mil euros. Na época passada, por exemplo, o orçamento situava-se nos 30 a 40 mil. Valem ao clube os apoios do PRAD (Plano Regional de Apoio ao Desporto) – ex.: suporte à atividade e comparticipação de deslocações - e da autarquia de Câmara de Lobos.

Apesar das dificuldades que antevê, o dirigente garante que a equipa vai fazer tudo para não voltar a cair para os campeonatos regionais. Para isso, conta com o sangue da terra. «Conheço a mística, a garra e a qualidade dos jogadores. Estamos conscientes de que será extremamente difícil e que vamos defrontar adversários com grandes ambições nesta prova, mas não vamos entrar derrotados em nenhum jogo.»

Os apoios

O Campeonato de Portugal, prova que terá um novo modelo competitivo a partir da próxima época, será jogado por 80 equipas. Neste ano, considerado de transição, as séries foram reduzidas de oito para cinco, cada uma com 16 participantes, sendo que seis (mais de um terço) serão despromovidos aos distritais.

Em partir de 2018/19 serão 72 equipas dividas em quatro séries de 18: os cinco últimos de cada série descem automaticamente aos campeonatos distritais.

Oito das 80 equipas presentes atualmente no CP são das regiões autónomas (cinco dos Açores e três da Madeira), sendo que as viagens de e para as ilhas são custeadas a 100 por cento, conforme disposto no regulamento da competição desenhado pela Federação Portuguesa de Futebol.

As equipas insulares têm 18 passagens comparticipadas a 100 por cento pelos governos regionais, enquanto as do continente que se desloquem para as regiões autónomas têm direito a 23, pagas pela FPF com verbas provenientes da Secretaria de Estado do Desporto.

Subir? Não, obrigado

Se batalhar uma época inteira e morrer na praia é frustrante, há quem lá chegue e nem por isso desfrute do sabor do sucesso.

Em 2016, os alentejanos do Mosteirense sagraram-se campeões distritais, mas abdicaram da subida. Uma decisão ponderada e que até nem foi difícil de tomar. É o que assegura ao Maisfutebol Fernando Martins, presidente do clube do concelho de Arronches.

«Acho que não houve desilusão da parte dos jogadores. Tínhamos o objetivo de ser campeões. Conseguimo-lo, mas toda a gente que fazia parte do grupo tinha a perfeita noção de que ia ser impossível os Mosteiros subirem ao Campeonato de Portugal», conta.

Mosteirense em ação na Taça de Portugal em 2015/16 contra o Nacional. Presidente considera subida de divisão insustentável. Objetivo de época é o apuramento para a Taça

O dirigente diz até que voltaria a tomar a mesma decisão caso se deparasse no futuro com o mesmo cenário, até porque na região não abundam subsídios ou patrocínios. «É outro tipo de realidade. Já trabalhamos no limite para o distrital e seria um passo demasiado grande para a nossa perna», diz com sinceridade desarmante.

«No ano passado íamos para uma série com várias equipas dos Açores e o orçamento ia disparar completamente. Para quanto? Talvez para o triplo ou o quádruplo do atual, que ronda os 45/50 mil euros. O nosso principal objetivo é, sim, participar todos os anos na Taça de Portugal e há alguns anos que temos lá ido sucessivamente», explica.

O caso do Mosteirense não é virgem. No ano anterior, o Caniçal recusou o regresso aos nacionais. Lino Melim, presidente do emblema da ilha da Madeira, admite que a decisão foi difícil mas necessária. «A nossa prioridade era estabilizar o clube financeiramente e entendemos que não estavam reunidas as condições para fazermos uma época sem sobressaltos. Garantimos a subida a três jornadas do final da época, sentámo-nos e tomámos essa decisão», recorda ao Maisfutebol.

Nesse ano foi assim, mas em 2016 o Caniçal repetiu o primeiro lugar. Desta vez, a decisão foi outra. «Reunimos com câmaras e com o Governo Regional para saber o que contávamos. Para um clube como o nosso, foi preciso fazer muitas contas, mas decidimos subir.»

O orçamento, que rondava os 50 a 60 mil euros, subiu para o dobro e fixou-se acima dos 100 mil euros. Parte dessa verba proveio de fundos governamentais, cujas percentagens estão definidas em função do número de jogadores locais e que preveem cortes a partir do terceiro atleta não madeirense por plantel.

Apesar do esforço para se adaptar a um novo patamar competitivo, o Caniçal não se deu bem com as exigências do Campeonato de Portugal e terminou a prova no nono e penúltimo lugar da Série A, acabando relegado para os distritais.

Lino Melim não assume abertamente o objetivo de voltar aos nacionais, mas também não descarta essa possibilidade. «Não vamos entrar em loucuras, porque há uma série de contas para pagar e não podemos descurar o clube e correr o risco de ver o barco afundar. Mas não queremos deixar as coisas morrerem. Vamos tentar fazer um bom campeonato. Depois? Depois logo se vê», remata.

* Imagem de capa: Sporting Clube Guadalupe