Jose Cano, Canito, partiu há 13 anos. Nesta segunda-feira, assinalou-se mais um aniversário da morte de uma figura que encantou os adeptos do Espanhol de Barcelona. Um rebelde, um herói para os 'periquitos', um génio que se perdeu pelo caminho.

A 25 de novembro de 2000, uma das maiores promessas do futebol espanhol nos anos 70 e 80 despediu-se da vida. Passara ao lado de uma carreira gloriosa.

Perdeu a batalha contra a droga. A dependência de Canito era incontrolável, o derradeiro escape após o adeus aos relvados. Nem o exílio em Portugal, onde representou o Belenenses durante uma temporada, lhe valeu. A sua carreira profissional terminou, precisamente, no Restelo.

Jose Cano nasceu em Lleida, na Catalunha. Perdeu o pai demasiado cedo e foi levado para o Colégio de La Salle de Nuestra Senora del Port em regime de internato. Com 14 anos, fartou-se. Procurou as ruas, abraçou a marginalidade, foi somando pequenos delitos. O futebol surgiu como a sua tábua de salvação.

Tudo começou no Club de Futbol Lloret, em Lloret del Mar. Chega e encontra um Cano, passando a ser conhecido como Canito. Inteligente, elegante e com grande poder de antecipação, apresenta-se como um líbero ou médio com potencial tremendo.

Com 19 anos, é contratado pelo Espanhol, o clube do seu coração. Após um ano de empréstimo em Lleida, faz a sua estreia pelos 'periquitos'. A afirmação em Barcelona é interrompida pelo serviço militar obrigatório, justificando uma cedência ao Cádiz.

Regressa para a época seguinte, reforçando a sua influência na equipa. Chega à seleção espanhola, disputando uma única partida. Por essa altura, é desejado pelos principais clubes espanhóis e tem finalmente dinheiro para esbanjar. Nunca o soube guardar.

 
40 milhões de pesetas e dois jogadores

O vizinho e rival Barcelona ganha a corrida, batendo o Real Madrid. Paga cerca de 40 milhões de pesetas e ainda encaminha dois jogadores para o Espanhol. Canito é o homem do momento no futebol espanhol.

Nessa altura, cumpre sonhos de uma infância difícil. Mulheres, carros de luxo, roupa de marca, ele quer tudo. É um espírito livre, incontrolável, dentro e fora dos relvados.

Entre 1979 e 1981, Canito ganha e perde espaço no FC Barcelona. Não esconde o seu amor pelo Espanhol e irrita o público «culé». Acaba por voltar ao ponto de partida. Segue-se o Bétis, o Saragoça, grandes momentos de futebol e dezenas de episódios polémicos. Os espanhóis perdem a paciência.

Numa derradeira tentativa para salvar a carreira, o jogador deixa o país e assina pelo Belenenses. Queixa-se da pressão constante e acredita que o exílio em Portugal produzirá efeitos. Faz 18 jogos pelo clube do Restelo, perdendo uma Taça de Portugal para o Benfica.

Canito demonstra qualidade mas não chega. Segue o caminho errático. E assim, no final da temporada 1985/86, encerra a sua carreira profissional. Despede-se do emblema da Cruz de Cristo e bate a várias portas no seu país. Todas se fecham. Estão fartos. Regressa ao modesto CF Lloret, para os últimos pontapés. Apenas pelo prazer.

Depois, o vazio. O futebol tinha sido o único escape para uma vida sem outro sentido. Perdeu a fortuna acumulada ao longo dos anos, fez alguns trabalhos pontuais e deixou-se vencer pelos vícios, o álcool e sobretudo as drogas.

Passa os seus últimos dias numa pensão, abandonado por quase todos os que o rodearam durante a carreira. Restavam-lhe os grupos de veteranos do Espanhol e do Barcelona, bem como a irmã. A 25 de novembro de 2000, é encontrado sem vida. Tinha apenas 44 anos. Ficavam as memórias de um errante, um génio levado pelas drogas. Os catalães não o esquecem.

 
A vida errante de Canito:

- Quando assinou o seu primeiro contrato profissional, começou a gastar dinheiro como um louco. Apostou que conseguiria vestir uma roupa diferente todos os dias, ao longo de uma época. E venceu.

- Certo dia, no início da sua ligação ao Espanhol, chegou a agredir um jornalista à cabeçada.

- Era capaz de emprestar dinheiro a todos os amigos do seu bairro, sem pensar duas vezes. Oferecia-lhes presentes, pagava viagens, dava-lhes tudo. Quando acabou a carreira, pouco ou nada restava.

- Assinou pelo Barcelona sem esconder o seu amor pelo Espanhol. A 20 de abril de 1980, os dois emblemas catalães jogam à mesma hora. Os ´periquitos' lutavam desesperadamente pela manutenção. E quando um golo do Espanhol foi anunciado em Camp Nou, Canito nem pensou duas vezes: vestia a camisola do Barça mas levantou os braços para festejar. Esse gesto nunca foi esquecido.

- Francisco 'Lobo' Carrasco contaria, anos mais tarde, que Canito chegava a treinar com uma camisola do Barcelona por cima e o equipamento do Espanhol por baixo.

- Já perto do divórcio com o Barcelona, e mesmo estando vinculado ao clube, foi com o Espanhol numa digressão pela América do Sul, sem autorização.

- Na passagem pelo Bétis, decidiu certo dia trocar 5 mil pesetas em notas de 100. Nas horas seguintes, cada miúdo que pedia um autógrafo a Cañito recebia em troca 100 pesetas.

- Após uma expulsão frente ao Atlético de Madrid, teve um acesso de fúria e foi ao balneário dos árbitros. Encheu a banheira, pegou na roupa dos juízes e atirou-a lá para dentro.

- Quando trocou o Bétis pelo Saragoça, chegou ao aeroporto e percebeu que não tinha dinheiro para pagar o bilhete de avião. Emprestara 100 mil pesetas a um amigo horas antes. Canito era assim.