Conquistador do Vale da Morte, explorador dos limites humanos, devoto do sacrifício e da superação: ultramaratonista. Carlos Sá, 39 anos, está de volta a Portugal e a recebê-lo tinha 200 fiéis e amigos. O campeão recorda o triunfo nos EUA.

«O Vale da Morte [Badwater] era o cenário ideal para testar a minha resistência. Estamos a falar de uma prova de mais de 200 kms, com um desnível superior a cinco mil metros e temperaturas a rondar os 50 graus centígrados», conta, visivelmente orgulhoso pela receção.

Perfil: dos dois maços de tabaco por dia às ultramaratonas

«Tive de correr com muita audácia. Não esperava vencer, honestamente. Fui recompensado pelo meu enorme sacrifício. Como gosto de dizer: ando em busca do meus limites, felizmente ainda não os encontrei».

O comum mortal pensará que a próxima decisão de Carlos Sá passará pelo descanso e umas férias merecidas. Puro engano. O atleta treina já no sábado de manhã, de forma a iniciar a preparação para a ultra-maratona do Mont Blanc.

«Só faltam 38 dias», adverte, sorridente. «A prova tem 170 kms e quase 20 mil metros de desnível acumulado. Passa por três países [Itália, Suíça e França]. É a terceira vez que lá vou. O ano passado ajudei um colega que estava em hipotermia e perdi por isso o terceiro lugar. Vou lutar pelo pódio».

«Senti-me como uma pizza a entrar no forno»

Os pormenores da via sacra no Vale da Morte são extraordinários. Nas palavras de Carlos Sá se percebe o que terá sido o sofrimento do português e de todos os demais participantes. Tudo debaixo de um sol inclemente num deserto norte-americano.

«A única forma de controlar a temperatura do corpo era banhá-lo constantemente em água gelada. A minha equipa de apoio banhava-me de quilómetro a quilómetro e metia-me gelo na garganta, de forma a arrefecer o cérebro. Isto reflete o trabalho fantástico de todos», recorda.

«A minha maior dificuldade surgiu às cinco horas de prova. As vias respiratórias aqueceram demasiado, o nariz ficou em ferida, a garganta seca e fui obrigado a beber água de 20 em 20 segundos», continua o ultra-maratonista.

«Nessa altura faltavam quase 200 kms e tinha à minha frente uma parede de 1000 metros para ascender. De repente surgiu um vento quente, a 70 kms. Senti-me como uma pizza a entrar no forno, ou um frango assado».

«Nessa fase deixei de ser capaz de ingerir alimentos», confidencia Carlos Sá. «Senti o estômago como uma pedra. Valeu-me a ajuda do dr. Pedro Amorim».

Perante isto, impunha-se a pergunta: nunca temeu a morte numa prova destas?

«Não sou louco. Não ia para esta prova se não tivesse comigo um médico de confiança. Tenho dois filhos, as pessoas que mais amo, e nunca faria as coisas inconscientemente».

Tanto assim é que em 2014 o Vale da Morte volta a receber o português. «No próximo ano volto cá à procura do recorde. Tenho é de ter sorte com o tempo».