Acho que me doem um pouco mais as articulações. Estou mais cansado e as brancas ficaram mais visíveis no cabelo que me resta. Já me apetece sentar à lareira de pantufas e copo de chá na mão a ver um qualquer programa da tarde.

O Deco já não joga à bola. E saber isso dá-me reumatismo.

Para mim, um ignorante que achava que «art deco» era o que ele fazia em campo, saber que acabou equivale ao dia em que me disseram que já não podia andar naquele tubogan e que devia ter cuidado a escolher as cores das minhas roupas.

Mas acabou mesmo. Já não se discute o menino prodígio que terminava os treinos em Vidal Pinheiro a dar toques numa bola de ténis. Já não se fala em «Decodependência», já não se pede Deco na seleção, já não se reclama porque ele lá foi.

Deco é uma espécie em vias de extinção, um símbolo do futebol, na sua faceta mais rebelde. No espaço, tão curto, entre uma jogada de génio e uma expulsão parva.

Foi nessa linha ténue que Deco começou a carreira. Soube engrossá-la, soube deixar para trás o desnecessário sem perder o rasgo que define os génios da bola.

Um dia, num outro texto, escrevi que, ao contrário do que se diz muitas vezes, Deco não é daqueles jogadores que não sabem jogar mal. Ele sabe. E bem. Eu vi tantas vezes. Mas quem não sabe jogar mal também não brilha como Deco fazia.

E agora já não há mais. Mesmo que longe, confortava qualquer pessoa que, como eu, nasceu a meio dos 80's, saber que um prodígio que tínhamos visto crescer ainda por aí andava. Talvez ainda desse toques numa bola de ténis. Talvez ainda deixasse os defesas para trás. Talvez ainda fizesse golos de génio.

Saber que o Deco já não joga à bola é lembrar-me a terrível verdade que todos sabemos e ninguém gosta de refletir: os dias passam e não dá para puxar a cassete atrás. Reparem como estou velho, até nas metáforas: quem não viu Deco também é capaz de não saber o que é uma cassete.

Mas o fim chegou mesmo, como um dia para Rui Costa, Luís Figo e como vai chegar para Cristiano Ronaldo e Messi. Nós continuaremos por cá, a vê-los passar. A vê-los crescer, a traçar vaticínios. «Este miúdo faz-se».

E um dia, ainda perdidos a comentar aquele golo, aquela jogada, aquele toque de génio, já o miúdo que dava toques na bola de ténis, que tinha um Estádio só para si a compará-lo a Pelé, que sorria para Ronaldinho e era um filho de dois países, está a dizer-nos adeus.

Eles vão, mas ficam na memória. Nesta bela prenda que temos cravada no corpo e nos permite fazer do ontem hoje. Na minha cabeça (e na vossa) Deco continua de bola nos pés. A deixar defesas para trás, a cobrar livres, a assistir, a marcar golos.

Deco é, agora, oficialmente um ex-jogador de futebol. Da minha parte só há uma coisa a dizer: foi um prazer.

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