Polémicas, confusões, coisas sérias e outras nem por isso. Houve muitas em 2014 e cá estamos mais uma vez para falar delas. 10 casos que marcaram o desporto este ano, por cá e lá por fora. Mais um.

FIFA, bronca mundial

Ironia, o ano que expôs à evidência os obscuros meandros da FIFA enquanto organização teve um grande Campeonato do Mundo. Em vez de conseguir capitalizar a excelente publicidade que foi o Brasil para o futebol como grande desporto global, a FIFA andou de embaraço em embaraço. O epicentro da confusão tem quatro anos, é a decisão de dezembro de 2010 que atribuiu os próximos Mundiais: 2018 à Rússia e 2022 ao Qatar. Nunca foi pacífica, o processo esteve desde sempre rodeado de suspeitas de corrupção, subornos e manobras de bastidores. Depois de querer passar uma imagem de integridade ao entregar uma investigação formal a alguém de fora, a FIFA estragou tudo, outra vez. O norte-americano Michael Garcia trabalhou durante dois anos no caso e o resultado foi um relatório de 430 páginas, entregue em setembro. Apesar de Garcia ter solicitado a sua divulgação, ficou guardado numa gaveta em Zurique. Até que, dois meses mais tarde, o presidente da Comissão de Ética da FIFA e superior hierárquico de Garcia, o juiz alemão Hans-Joachim Eckert, divulgou um «resumo» de 42 páginas, no qual concluía que não existiram irregularidades que afetassem os processos de atribuição dos dois Mundiais. Garcia questionou as conclusões na hora, falando em «edições, omissões e adições» em relação ao seu relatório, contestou formalmente Eckert e acabou por demitir-se. O «branqueamento» de Eckhert deixou muita gente indignada e entre os grandes da Europa já não dá para disfarçar a contestação à gestão de Blatter, estando marcadas eleições para a presidência da FIFA em 2015. Da Alemanha veio mesmo um sinal claro de rutura, com o presidente da Liga germânica a lançar uma bomba como ameaça: a UEFA abandonar a FIFA. A fechar o ano, e depois de pedir mais um parecer, Joseph Blatter veio anunciar, em nome da FIFA, que o relatório Garcia vai ser afinal divulgado «de forma apropriada», sem ter ainda explicado exatamente o que quer isso dizer.

O Sporting a rasgar contratos e a FIFA a questionar os fundos

Um Agosto agitado em Alvalade, pelo meio um braço de ferro que envolveu Marcos Rojo e também Slimani, com o mercado como pano de fundo. O argentino acabou por sair para o Manchester United. E no processo o Sporting decidiu rasgar o contrato com a Doyen Sports, o fundo de investimento que detinha 75 por cento do passe do defesa. Enquanto o caso está por resolver no plano legal, o Sporting aproveitou-o para alimentar um discurso crítico dos fundos como um todo. O timing coincidiu com o da FIFA. Partiu da UEFA a preocupação com o fenómeno: os responsáveis europeus alertaram para todas as questões éticas que levantam, nomeadamente quanto à integridade das competições, quando não é claro quem detém realmente um jogador, e se um mesmo fundo tem interesses em vários clubes diferentes e concorrentes. A FIFA decidiu avançar com regulamentação sobre o assunto. E no final do ano confirmou que, a partir de maio de 2015, passa a ser proibido aquilo a que se chama «third party ownership» (TPO), a partilha de passes de jogadores por entidades que não clubes. Ainda está por perceber exatamente a implicação que isso terá na atividade dos fundos no futebol, muito presentes no financiamento do futebol português nos últimos anos. Formalmente, não são os fundos enquanto tal que serão proibidos, mas o atual modelo de funcionamento com os clubes.

Jesus, o Manel e o laboratório do Seixal

O ano começou com o Benfica a vender Nemanja Matic ao Chelsea e também a negociar André Gomes, junto com Rodrigo, para o Valência. Com efeito a partir de junho, mas retardado no meio de um complicado processo de venda do clube espanhol ao empresário que adquiriu os passes. Adiante. A saída do sérvio deixava, à partida, um vazio no meio-campo do Benfica. Questão a que Jorge Jesus respondeu com duas ideias, ditas no mesmo dia. Esta: «Se não jogar o Matic, vai jogar o Manel.» E esta, quando lhe perguntaram se o substituto do sérvio podia estar na formação: «Tinham de nascer dez vezes. » Jesus estava a ser coerente com a sua prática: o treinador não aposta de forma continuada nos jogadores formados no clube. Não é um problema exclusivo do Benfica, os números do FC Porto são semelhantes e, globalmente, Portugal está na cauda da Europa quando se fala de oportunidades a jogadores da formação, ou a jogadores nacionais. Mas o mote do Manel e o têm que nascer 10 vezes centrou a questão no Benfica. Que prosseguiu em campo a prática de Jesus (no defeso sairam os jovens Bernardo Silva, Ivan Cavaleiro e Cancelo), embora o discurso de cima seja diferente, entre as garantias dadas pelo presidente, a mostrar todo o investimento feito no centro de treinos do Seixal, e a aposta nos «talentos» da formação definida como questão de princípio no relatório e contas do clube.

A Liga na bomba de gasolina

4 de abril de 2014. A imagem dos presidentes do FC Porto, do Nacional, da Académica e do Estoril abrigados da chuva numa bomba de gasolina, frente a uma sede da Liga de porta fechada, é a síntese de um ano surreal para o organismo que é suposto representar o futebol profissional. A intenção dos clubes que ficaram à porta era realizar uma Assembleia Geral extraordinária para destituir Mário Figueiredo da presidência. Não aconteceu e seguiu-se um processo eleitoral. Se assim podemos chamar-lhe. As candidaturas de Fernando Seara e Rui Alves foram rejeitadas pela mesa da AG da Liga, Figueiredo concorreu sozinho e anunciou-se eleito em junho, com votos de sete dos 32 clubes que formam a Liga. Essas eleições foram anuladas no final de julho pelo Conselho de Justiça. A coisa arrastou-se, numa situação dramática em termos financeiros para o organismo, a acumular dívidas, até que apareceu Luís Duque, um nome de «consenso» entre a maior parte dos clubes, com FC Porto e Benfica juntos e o Sporting de fora. Quando Duque foi eleito, em outubro, já eram 36 os clubes votantes. 2014 foi também o ano que viu a Liga voltar a crescer para 18 clubes, por força de um alargamento decidido para incluir o Boavista: uma imposição que decorreu da anulação pelo Conselho de Justiça do processo que tinha condenado o clube à descida, no âmbito do processo «Apito Dourado». 2014, este ainda é o futebol português.

A saída de Paulo Bento, o dito e o não dito

Paulo Bento renovou em abril. Ficou depois do Mundial, assumidamente falhado para a seleção, e ficou depois de a Federação ter analisado a presença de Portugal no Brasil e ter decidido colocar o selecionador à frente de um novo Gabinete Coordenador Técnico Nacional. Foi para o banco no arranque da campanha para o Euro 2016 e perdeu em casa com a Albânia. Quatro dias depois daquele que foi um dos piores resultados da história da seleção, Paulo Bento saiu. Em comunicado, a Federação falou de uma «decisão conjunta». Dias mais tarde o treinador questionou essa versão, garantindo que a decisão não partiu de si e que nunca disse não ter condições para continuar, desmentindo a versão do presidente da Federação. A fechar o ano, Paulo Bento veio dizer que «ficou claro quem disse a verdade». Mesmo que nem toda a gente concorde, ficou seguramente claro que, tal como aconteceu há quatro anos com Carlos Queiroz, a Federação não soube sair de forma clara e frontal do processo de afastamento de um selecionador.

Deyverson, Miguel Rosa e os outros

Primeiro Miguel Rosa em março, depois também Deyverson, em dezembro. Dois jogadores que foram do Benfica, que agora são do Belenenses e os dois homens mais influentes da equipa do Restelo e que, chegado o confronto com o clube da Luz, ficam de fora. Sem que seja claro qual é exatamente a sua atual ligação ao Benfica e numa competição com regulamentos que proíbem acordos para impedir utilização de jogadores emprestados frente ao clube-mãe. Sem explicações oficiais, também: antes, durante ou imediatamente depois do jogo. Passaram mais de 24 horas até o presidente da SAD do Restelo explicar, numa aparição televisiva, que decidiu excluir os jogadores por achar que poderiam jogar condicionados, em função de tudo o que se disse ao longo da semana. «Discute-se a questão de não jogarem, mas eu pergunto: e se algum tivesse sido expulso ou falhasse uma grande penalidade?», terminou. Perguntando ao contrário: e se marcassem uma grande penalidade? Rui Pedro Soares não precisa de puxar muito pela memória para encontrar um exemplo. Tozé. Menos de um mês antes do Benfica-Belenenses o jogador cedido pelo FC Porto ao Estoril jogou frente aos dragões. E quando aos 80 minutos houve um penálti a favor dos canarinhos, ele foi batê-lo. E fez golo. Se bem que o também estorilista Kléber, igualmente cedido pelo FC Porto, tenha ficado de fora desse jogo, no meio de informações de que teria problemas físicos. Todos, num e noutro sentido, sinais de como os empréstimos são uma questão delicada, que na prática está a condicionar os clubes mais pequenos em relação aos grandes. E levada pelo Benfica a outro patamar, que já não se circunscreve apenas aos jogadores que ainda mantêm ligação com o clube.

Violência e morte num domingo de manhã

30 de novembro de 2014, domingo com um At. Madrid-D. Corunha marcado para o final da manhã. Antes do pontapé de saída, um encontro previamente agendado entre ultras dos dois clubes (e não só), resultou em violência, que era o objetivo deles, mas acabou em tragédia. Um adepto do Depor caiu ao rio Manzanares e, quando foi retirado, já nada havia a fazer. A morte de Francisco Javier Romero Taboada, Jimmy para os amigos da claque, deixou a Espanha em choque, confrontada com a violência gratuita dos grupos organizados que gravitam em torno do futebol. Seguiram-se reações, reuniões, promessas de levar os culpados à justiça e medidas anunciadas, dispostas a apertar o cerco a todas as formas de violência, incluindo os cânticos ofensivos nas bancadas.

Ébola, futebol e medo

Os ecos de um surto do vírus de Ébola na África Ocidental começaram no início do ano. Ganhou dimensão e 2014 termina com um registo negro de seis mil mortes causadas pela doença. Chegou ao futebol também, numa reação de medo e rejeição que teve como ponto alto a recusa de Marrocos em organizar a Taça de África das Nações nas datas previstas, início de 2015, com receio da propagação do surto. O caso arrastou-se, perante a intransigência da Confederação Africana em mudar as datas, e acabou com a retirada da organização a Marrocos, desqualificada e substituída pela Guiné Equatorial. Pelo meio, jogava-se a qualificação para a CAN. A primeira consequência do fantasma do vírus no futebol foi a eliminação das Seychelles, que em agosto se recusaram a deixar entrar a seleção da Serra Leoa e foram desqualificadas na secretaria. Depois disso, as seleções dos países mais afetados, Serra Leoa e Guiné-Conacri (que acabaria por qualificar-se) tornaram-se apátridas, forçadas a jogar os seus jogos domésticos fora do país, várias vezes em casa do rival, vítimas de abusos, a ter de lidar com a ignorância e o medo. 

Racismo, o desporto norte-americano tem voz

2014 e é isto, ainda. No futebol também, mas este foi o ano que pôs o desporto norte-americano (como eco de toda a sociedade) a falar de racismo. Primeiro na NBA, depois de tornada pública uma conversa de Donald Sterling, que era presidente dos LA Clippers, com a namorada, a dizer-lhe para «não levar negros» aos seus jogos. A reação foi viral, dos jogadores à opinião pública, incluindo a NBA enquanto organização. Sterling foi banido para vida e obrigado a vender o clube, entretanto adquirido por Steve Ballmer, ex-líder da Microsoft. Mas, se este foi um episódio centrado no preconceito de uma pessoa, os meses que se seguiram fizeram voltar à tona questões bem mais profundas na sociedade norte-americana, a que o desporto não ficou imune. A morte de um jovem negro baleado por um polícia em agosto na cidade de Ferguson, Missouri, foi o gatilho. Houve protestos nas ruas, violência, confrontos com a polícia. Que regressaram em novembro, quando a justiça decidiu não levar a julgamento o homem que matou Michael Brown. No início de dezembro, seis jogadores da NFL entraram em campo de braços no ar, replicando o gesto que se tornou símbolo da luta de Ferguson. «Mãos ao alto, não dispare», o gesto que teria feito Brown antes de ser baleado. Também na NBA vários jogadores se associaram aos protestos de Ferguson. E voltaram a fazê-lo poucos dias mais tarde. Desta vez em nome de Eric Garner, também ele morto às mãos de polícias, por asfixia. Quando a justiça decidiu também não julgar os responsáveis pelo caso Garner, que aconteceu em Nova Iorque, os jogadores da NBA fizeram questão de tomar posição pública sobre o tema. Kobe Bryant, LeBron James, Derrick Rose e muitos outros entraram para o aquecimento com camisolas que reproduziam a frase-símbolo dos protestos: «I cant breathe.»



Doping, o atletismo depois do ciclismo

Depois do ciclismo, o atletismo a ver-se envolto numa nuvem negra de suspeitas. Houve em 2014 vários casos positivos no desporto interncional, os Jogos Olímpicos de inverno em Sochi puniram oito desportistas, número recorde, a fechar o ano foi a queniana Rita Jeptoo, três vezes vencedora da Maratona de Boston, a acusar positivo. Os números alimentam o discurso oficial de que o sistema está a funcionar. Mas uma série de informações divulgadas nos media, seguidas de reações prudentes das instâncias internacionais, alimentam a suspeita de que há muito mais debaixo do tapete do atletismo. A principal visada foi a Rússia, acusada numa série de documentários na TV alemã, que incluíam testemunhos e muito trabalho de investigação, de «doping de Estado»: promover um sistema generalizado de recurso a doping e de ocultação de resultados. Foi tudo veementemente negado pelos responsáveis russos, mas o presidente da Federação acabou por se demitir dos cargos que ocupava na Federação Internacional de Atletismo (IAAF). Não ficou por aqui. Seguiram-se mais acusações, nomeadamente a de que a própria IAAF teria deixado por aprofundar dezenas de resultados suspeitos. Pelo meio, questões quanto ao envolvimento do filho do presidente da IAAF nos processos de candidatura dos Mundiais de atletismo, que levaram à sua demissão do cargo de consultor da organização. Sebastien Coe, o ex-atleta britânico que é candidato à presidência da IAAF, comparou toda esta situação aos grandes escândalos da história do atletismo, os de Ben Johnson e Marion Jones. As instâncias internacionais reagiram a tudo isto com declarações prudentes e promessas de investigação. A Agência Mundial Antidopagem anunciou que irá conduzir um inquérito exaustivo à questão da Rússia, que será liderado por um nome forte: Dick Pound, ex-presidente da organização. Tudo isto acontece numa altura em que também se joga muito do equilíbrio de forças dos principais desportos olímpicos. Porque 2014 foi também o ano em que o Comité Olímpico Internacional introduziu mudanças na atribuição e organização dos Jogos. Deixarão de ter limite de modalidades, mas passam a ter um teto de eventos. Isso significa que alguns desportos vão perder espaço e tudo indica que o atletismo será um deles, podendo ver desaparecer do mapa olímpico algumas competições.

Pior timing do ano

Foi ano de Campeonato do Mundo, mas temos outro espaço reservado a Luis «Hannibal» Suarez, ao Mineiraço ou ao despiste da Espanha no Brasil. Ainda assim, sobra a sua conta de embaraços em campo. Para simbolizá-los todos, uma menção honrosa, prémio para o pior timing do ano. Segunda mão do play-off para o Europeu sub-21 entre França e Suécia. Depois de ganharem por 2-0 em casa, os jovens «bleus» viam-se a perder por 0-3 na Suécia. Até que Layvin Kurzawa fez o 1-3, aos 87 minutos. E não resistiu a provocar os adversários, com um gesto a dizer «Já foram».
 


Azar, a Suécia estava viva. Marcou no minuto seguinte, passou e não deixou sem resposta Kurzawa, jovem lateral do Mónaco, que Leonardo Jardim recebeu no clube com palavras de conforto: «Ele precisa de afeto.»