Não há ano desportivo sem lado sombrio. Casos, broncas, polémicas. Lá fora, cá dentro, esta é uma viagem pelo que fica de 2017 para lá das luzes e das boas histórias. 

Da Rússia a Froome passando por Gatlin, a grande sombra

A imagem que melhor simboliza a sombra do doping aconteceu naquele que era um dos momentos altos do ano desportivo, a final dos 100m dos Mundiais de atletismo. Justin Gatlin, o homem que levou o ouro na despedida de Usain Bolt, vaiado pelo público, perseguido por um passado marcado por várias suspeitas e uma suspensão de quatro anos por um positivo a testosterona. Mas o grande caso aconteceu a fechar o ano. Chris Froome, um dos grandes vencedores de 2017, deu positivo a um controlo na Vuelta, que venceu depois do Tour. O britânico acusou salbutamol e diz que aumentou as doses para controlar a asma, o caso ainda não teve um desfecho mas reforça a ideia de como o doping é uma tema difícil: de controlo, de definição de fronteiras. Mas vai minando o desporto, e muito particularmente as modalidades de Gatlin e Froome, o atletismo e o ciclismo, cuja popularidade sofreu muito nos últimos anos com a sucessão de casos. Fronteira bem delimitada tem por outro lado a mega-acusação de doping de Estado sobre a Rússia. O desenvolvimento mais recente foi o afastamento da Rússia dos Jogos Olímpicos de inverno de 2018, determinado pelo COI.

Dos e-mails à Polícia Judiciária na Luz

O dia 19 de outubro acordou com a notícia de buscas da Polícia Judiciária no Estádio da Luz. O Benfica começou por desmentir, depois confirmou. A Procuradoria-Geral da República explicou que se trataram de buscas «domiciliárias e não domiciliárias relativas a investigação em curso pelos crimes de corrupção passiva e activa», num inquérito «que investiga a prática, por parte de um suspeito, dos referidos crimes, relacionados com os denominados emails do Benfica». Era a primeira ação pública da justiça associada ao que ficará conhecido como caso dos e-mails. Começou no final da época passada, com a divulgação semanal por parte do FC Porto no canal do clube, através do diretor de comunicação Francisco J. Marques, de excertos de comunicações eletrónicas alegadamente trocadas por responsáveis do Benfica, entre si ou com terceiros, envolvendo arbitragem e uma série de ligações, que os «dragões» defendem indiciar um sistema de corrupção montado pelo rival. O Benfica começou por reagir com silêncio, depois anunciou ações legais e tentou impedir a divulgação de mais e-mails. O Ministério Público revelou em junho a abertura de um inquérito na sequência de uma denúncia anónima, as buscas na Luz são um passo desse processo. O Conselho de Disciplina da Federação também desencadeou um inquérito. Um processo com muito que esclarecer e longe do fim.

Detenções e acusações de corrupção, de Espanha ao Rio

Se a FIFA foi protagonista nos últimos anos, as broncas ao mais alto nível no cenário internacional tiveram em 2017 outros rostos. Em Espanha, antes de mais. O eterno presidente da Federação espanhola, Angél Maria-Villar, foi detido em julho, ele e o filho, sob suspeitas de administração desleal, apropriação indevida, corrupção e falsificação de documentos. Villar saiu sob fiança, o processo continua mas deixou a Federação em situação delicada, com o presidente suspenso. O caso até já levou a especulação sobre a presença da Espanha no Mundial, em caso de ingerência do Governo na Federação. Não chegará aí, mas a FIFA diz que vai avaliando a situação. E não foi só no futebol. Em outubro foi detido o presidente do Comité Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, principal rosto da organização dos Jogos Olímpicos no Rio em 2016. Seria depois formalmente acusado de corrupção na compra de votos para os Jogos do Rio.

FIFA: as pontas soltas e contornos tenebrosos no julgamento

A FIFA enquanto estrutura seguiu caminho depois de bater no fundo em 2015, mas ainda há muitas pontas soltas. Em novembro começou em Nova Iorque o julgamento de três dos dirigentes sul-americanos implicados pelas autoridades norte-americanas: o brasileiro Jose Maria Marin, o paraguaio Juan Angel Napout e o peruano Manuel Burga. E com contornos tenebrosos. A morte de Jorge Delhon, advogado argentino que cometeu suicídio horas depois de ter sido acusado no tribunal de receber subornos, foi a consequência mais dramática. Mas pelo meio houve mais, como a denúncia de uma das testemunhas-chave, Alejandro Burzaco, que acusou Burga de intimidação: disse que, enquanto depunha, o peruano olhou para ele e levou a mão ao pescoço, a simular uma degolação.

O Fisco e os melhores do mundo

Não se fala de coisas simpáticas aqui e o olhar para 2017 segue com outro caso, que envolveu Cristiano Ronaldo, José Mourinho e vários outros agenciados de Jorge Mendes, acusados de fraude pelo Fisco espanhol. Depois de em 2016 ter sido Lionel Messi indiciado e condenado, seguiram-se várias outras acusações mediáticas. O processo de Cristiano Ronaldo, originalmente acusado de defraudar o fisco em 14,7 milhões de euros, ainda não terminou. José Mourinho, a quem o Fisco espanhol reclamava mais de três milhões, foi ouvido em novembro e chegou a acordo. «Não discuti, não contestei, paguei», disse à saída do tribunal.

No meio das contas do FC Porto só deu Vaná

Depois de ter terminado o exercício com de 2015/16 com 58 milhões de euros de prejuízo o FC Porto entrou em incumprimento do «fair play» financeiro. Em junho chegou a um acordo com a UEFA que envolveu o pagamento imediato de 700 mil euros de multa, num total de 2.2 milhões dependentes do cumprimento dos objetivos, e limitou os jogadores que os «dragões» podiam inscrever. Foi portanto o mercado menos agitado de que há memória no Dragão no que diz respeito a entradas. A única contratação foi o guarda-redes Vaná. De resto, os «dragões» recorreram essencialmente a regressos de empréstimos, entre os quais Aboubakar e Marega. Da necessidade sairam apostas ganhas para Sérgio Conceição. Em outubro o FC Porto divulgou as contas de 2016/17, prejuízo de 35,3 milhões que os «dragões» disseram cumprir os compromissos assumidos com a UEFA.

Neymar, o PSG e a «batota económica»

Fair play financeiro foi uma das expressões do verão, mas por causa de Neymar. O PSG rebentou com a escala das transferências, quando acionou a cláusula de rescisão do jogador junto do Barcelona. 222 milhões de euros. Indignação em Espanha, com o presidente da Liga espanhola a ponta de lança da contestação, a acusar os franceses de «batota económica». O caso chegou a contornos caricatos, quando a 3 de agosto os serviços da Liga espanhola recusaram aceitar o depósito da cláusula. Os advogados de Neymar acabariam por formalizar o processo nessa tarde, no Camp Nou. O PSG não ficou por aí e antes de fechar o mercado também contratou Kylian Mbappé, a «next big thing» do futebol europeu, com uma finta: empréstimo no primeiro ano, antes de uma transferência definitiva por 180 milhões, valores não oficiais. Subir a escada da hierarquia desportiva à custa de milhões, uma estratégia que não é nova – o Manchester City foi outro dos alvos das críticas este ano – e que mexe muito com os grandes da Europa. Foram muitas as vozes críticas sobre a forma como são contornadas as regras da UEFA que determinam como princípio-chave que os clubes não gastem mais do que ganham. Podemos sintetizá-las no desabafo de Jurgen Klopp: «Pensava que o fair play financeiro existia para evitar isto...» A UEFA anunciou a abertura de uma investigação formal ao PSG e garantiu que vai monitorizar as contas do clube. Por cá o defeso também teve que contar: entre as saídas em massa do Benfica e a tranquilidade no FC Porto, foi agitado em Alvalade e terminou com caso. Adrien transferiu-se para o Leicester no último dia do mercado e foi... 14 segundos demasiado tarde. A FIFA não reconheceu a inscrição e o internacional português ficou meia época sem poder jogar.

Morte na noite

Madrugada de 24 de abril, exterior do Estádio da Luz. Marco Ficini, adepto italiano, foi mortalmente atropelado, tanto quanto se percebeu no meio de confrontos entre grupos de adeptos do Benfica do Sporting. Ficini, membro de uma das claques da Fiorentina, estava junto dos sportinguistas. No dia seguinte iria haver dérbi em Alvalade. O autor confesso do atropelamento abandonou o local, sem prestar auxílio à vítima. Apresentou-se às autoridades três dias depois. Luís Pina foi acusado de homicídio simples e é o principal de 22 arguidos no processo, acusados pelo Ministério Público em outubro de homicídio, participação em rixa, dano com violência e omissão de auxílio.

Agressões, gritos, ameaças. VAR. E mais gritos

Lugar cativo no futebol português tem o ruído à volta do que acontece em campo. Potenciado agora pelas redes sociais e pelos canais próprios dos clubes, com gritaria ao desafio de diretores de comunicação a pretenderem-se personagens centrais. Já seria suficientemente mau, mas não foi só ruído. A arbitragem, como sempre, esteve no centro desta estratégia e foi alvo em campo. A época passada bateu recordes de agressões a árbitros, para lá da joelhada de Marco Gonçalves, jogador do Canelas, que levou os juízes a decretar um boicote aos jogos do clube a que estavam ligados vários elementos da claque Super Dragões. Para a nova época a Federação decidiu associar-se à primeira fase da introdução do vídeoárbitro e aplicar o sistema nos jogos da Liga, uma tentativa de «diminuir os erros», como disse Fernando Gomes. Mas não diminuiu o ruído. A corrente temporada já teve ameaça de greve dos árbitros, entretanto suspensa. E ainda estamos em dezembro.

E o inevitável Caso Mateus

E por falar em lugares cativos, já cá faltava. Passou quase todo o ano, mas em dezembro lá apareceu ele. O Caso Mateus, já lá vãos quase 12 anos disto. Belenenses e Gil Vicente apertaram as mãos, depois de há um ano já ter sido dada razão aos minhotos em tribunal, e a Liga anunciou que o clube de Barcelos será reintegrado no primeiro escalão em 2019/20. O que está longe de ser favas contadas, já andamos todos nisto há muito tempo. A Federação, que tinha defendido a reintegração imediata do Gil em 2016, quando aconteceu a decisão judicial, que a Liga travou por causa de um recurso do Belenenses, veio agora defender que, por isso não estar a ser cumprido, os resultados do Gil não contem em 2018/19. Seria assim uma espécie de país anfitrião a jogar para aquecer. Portanto, cá estaremos em 2018.