[publicado originalmente a 5 de outubro de 2010]

Nas traseiras da Farmácia Franco, em Belém, nasce o Sport Lisboa a 28 de Fevereiro de 1904. A alma de 24 amigos devotos à causa está na génese do clube que, quatro anos depois, se funde com o Sport Club de Benfica. O criador Cosme Damião segue a sugestão de Felix Bermudes e compõe a designação que resiste até aos nossos dias: Sport Lisboa e Benfica.

A capital vive dias de grande instabilidade política e social. As sequelas do regicídio de 1908 são dramáticas e o grupo de jovens fundadores do Benfica contorna as perseguições políticas com a dedicação total ao emblema.

No ano da revolução republicana, o Benfica já tem casa própria. Fica na Quinta da Feiteira - junto à Estrada de Benfica - e o campo de futebol recebe o nome da herdade. Até 1912 é ali que a equipa se organiza e realiza alguns dos principais jogos do início do século XX.

As águias conquistam em 1910 o primeiro campeonato de Lisboa, ao interromperem um ciclo impressionante do Carcavelos, que vencera as três edições anteriores. A desistência de uns e a fragilidade de outros conduz o Benfica a uma conquista muito especial nestes primeiros anos de vida.

Monarquia vs. Benfica: destinos contrários

Os meses anteriores ao fim da Monarquia implantam o Benfica como uma potência do desporto nacional. As águias sobrevoam a curiosidade do adepto novel e comum, arrecadam simpatia e batem o primeiro recorde de assistência num jogo de futebol.

No dia 23 de Janeiro, oito mil almas assistem em inusitada euforia, no Campo da Feiteira, ao escanzelado triunfo benfiquista sobre o Carcavelos Club, rival imponente e temerário; a 1 de Fevereiro, surge a sede na Rua Direita de Benfica e, a 22 do mesmo mês, Alfredo Luís da Silva é eleito presidente.

A Monarquia pressente o estertor da morte, o Benfica segue em direcção radicalmente contrária. 1910 é um período de extrema vitalidade e pujança, não só no futebol. A filosofia ecléctica do emblema encontra eco na vitória de Alberto Albuquerque numa prova de ciclismo em Lisboa.

No Verão do mesmo ano, há registo de outro marco histórico: o Sport União Belenense perde para o Benfica por 2-1 no troféu dos «Jogos Olímpicos Nacionais». A peleja tem lugar a 19 de Junho.

O orgulho benfiquista mostra-se à mesa

O orgulho do ser benfiquista borbulha no dia 31 de Julho de 1910. Pela primeira vez num acto público, a direcção expõe os troféus alcançados. A efeméride ocorre à mesa, num almoço de confraternização em homenagem à conquista - semanas antes - dos três campeonatos regionais de Lisboa: de primeira, segunda e terceira categorias.

Poucos dias depois sabe-se que quatro atletas do Benfica vão integrar a Selecção de Lisboa num périplo por Espanha. Em Setembro, o clube junta-se ao CIF e ao Império na fundação da Associação de Futebol de Lisboa.

A letargia repugna os corpos sociais do Benfica. Organizam-se jogos amigáveis e oficiais na zona de Lisboa, combinam-se visitas ao Porto, estabelecem-se contactos e protocolos com as mais altas instituições do país. Numa dessas conversas, já em finais de 1910, fica apalavrado o primeiro F.C. Porto-Benfica, que terá lugar a 5 de Março de 1911.

Derby: um século de polémicas

O derby Benfica-Sporting habitua-se a ser especial desde o primeiro dia. É, por exemplo, o primeiro jogo de futebol a exigir bilhete a cada um dos espectadores. A sugestão surge do Sporting e cada um dos adeptos paga 120 reis no dia 27 de Fevereiro de 1910.

Esse é o primeiro dos embates entre os dois históricos no ano da revolução republicana. O Benfica goleia por 0-4. A vingança leonina é servida a 25 de Setembro, dez dias antes da Monarquia ser decepada em Portugal: 5-4 para os leões num jogo de carácter amigável.

A rivalidade é opaca, alimentada pela transferência polémica de vários jogadores do Grupo Sport Lisboa para os leões. Quem diria que tudo isto aconteceu há um século?