Há uma luz que nunca se apaga em Charles Obi. É a luz da confiança, do porvir radioso. Mesmo desterrado num vilarejo nos confins das Ilhas Faroe. A personagem é genuína, paciente, muitas vezes pueril. Redescobrimo-la enquanto vasculhávamos as melhores celebrações do futebol português e seguimos-lhe o rasto. Acabámos nas correntes gélidas do Atlântico Norte. O antigo avançado do Boavista joga no modestíssimo Suduroy.

«Porquê as Ilhas Faroe? Não sei. O meu empresário disse-me que eu ia para a Dinamarca e vim cá parar. Não é mau. Futebol é futebol em qualquer parte do mundo», diz Obi ao Maisfutebol, a trepidar de curiosidade. «Mas você é mesmo jornalista? Ok. Bem, aqui não se faz nada. Quando não estou no clube, fico em casa a ouvir música. Já me levaram à pesca duas vezes, mas aquilo não é para mim.»

Charles Obi está nas Ilhas Faroe desde Janeiro. Após uma odisseia repartida entre viagens de avião e de barco, apanhou boleia de um taxista e chegou a Suduroy. «A vila estava branca, cheia de neve. Procurei o campo de futebol e nada. Andei para trás e para a frente e só via neve. Pedi informações a um senhor que ia passar e ele lá me ajudou. Explicou-me que o relvado era onde as cabras andavam a pastar.»

A preciosa informação levou Obi ao local certo. Assinou contrato «até Junho» e ouviu o pedido do presidente do Suduroy. «Golos. Só quer que eu faça golos. Já fiz quatro em cinco jogos. Mas, se quer que lhe diga, isto aqui é diferente de tudo o que eu já tinha visto. Sinto-me um craque no meio deles.»

O oceano, a lagoa e uma população vibrante

O Inverno, entretanto, baixou a guarda. As temperaturas chegam agora aos dez graus e Obi até se arrisca a treinar de calções. O atacante nigeriano fala de um cenário irreal, uma espécie de paraíso apenas desbotado pela mediocridade desportiva.

«De um lado do campo vejo o oceano e do outro uma enorme lagoa. Mais atrás existe uma montanha enorme e na encosta ficam dezenas de casas», descreve, embalado na potestade típica de uma personalidade aventureira.

«Nos dias de jogos sinto-me bem, reconhecido e admirado.» Não é caso para menos. As gentes de Vagur, localidade onde está sedeado o clube, adoram futebol. Dos 1500 habitantes, mais de 80 por cento não perdem um duelo do FC Suduroy.

«Convivemos antes e depois dos jogos com eles. Bebem muita cerveja e quase todos falam inglês. Ajuda a passar o tempo. O pior é durante a semana.»

«Gostei do Boavista, mas não havia dinheiro»

Finlândia, Albânia, Chipre, Portugal e Ilhas Faroe. Entrepostos de uma vida diferente, dedicada a uma paixão raramente correspondida. «E o Boavista como está? Na segunda divisão? É triste. Gostei de lá estar. Mas não havia dinheiro. Fiz três jogos no campeonato e marquei um golo. Tenho saudades de Portugal.»

O FC Suduroy compete com nove equipas no primeiro escalão das Ilhas Faroe. Charles Obi é o melhor marcador. «No último jogo, contra o B68 Toftir, fiz dois golos. As Ilhas Faroe são um país como outro qualquer para me divertir com o futebol.»

Já cantavam os The Smiths. Há uma luz que nunca se apaga ( «There is a light that never goes out»). Charles Obi é disso o melhor exemplo.

Um golo de Charles Obi nas Ilhas Faroe (2m40s):