80 anos após o seu nascimento e 40 depois da sua morte, não páram de surgir histórias sobre Che Guevara. Relatos que o transportam do mito à realidade, que humanizam o ícone e o símbolo de uma geração. A relação estreita de Ernesto com o desporto (na infância, na adolescência e mesmo na fase de guerrilheiro) destapam-lhe uma face menos visível.

E foi esta ligação umbilical, esta paixão, que levou o escritor argentino Walter Vodopiviz à criação do livro Che e os desportos. O Maisfutebol esteve à conversa com o autor, que nos traçou uma resenha mais ampla sobre o desportista Ernesto Guevara.



«Ele não jogou apenas futebol. Nos primeiros anos de vida nadava muito bem na piscina do Sierras Hotel, situado na provincia de Córdoba, para onde os pais iam com regularidade. E desde muito cedo se tornou um combatente. Não combatía inimigos nas selvas do Congo ou na Bolívia, mas sim uma asma que o acompanhou até à morte», explica Walter Vodopiviz.

«Foi esse problema que o levou para a natação e o atirou para a baliza no futebol. Ele não podia jogar à frente pois cansava-se rapidamente.»

A obstinação de um lutador

Perante o ar subitamente irrespirável, Ernesto Guevara lutou. Tornou-se um nadador exímio, um guarda-redes muito razoável e descobriu um talento intrincado para o rugby. Nesta modalidade representou oficialmente três clubes: o San Isidro, o Yporá e o Atalaya. «Ficou conhecido como o Furibundo Serna (sobrenome da mãe), pois era duríssimo», lembra Walter Vodopiviz.

Mais tarde meteu na cabeça a escalada ao Monte Popocatépetl (5.425 metros de altitude) e não desistiu até tocar o cume.

«A sua principal característica enquanto homem do desporto era a obstinação. Podia não ser o mais talentoso, mas compensava essa limitação com a obssessão pelo triunfo. Quando decidiu jogar rugby, nem o amigo Alberto Granado acreditou ser possível e desafiou-o a saltar um muro, simulando uma placagem. Pois bem, o Ernesto não só saltou o muro como repetiu o gesto várias vezes. No final, quis placar o próprio Granado», relata-nos, bem disposto, Vodopiviz.

«Mais tarde jogou basebol em Praga, na Rep. Checa e apaixonou-se por esse desporto. Quando chegou a Cuba, tornou-se um excelente executante da modalidade. E ainda em Córdoba, onde viveu grande parte da infância devido às recomendações médicas - pois essa cidade tem um clima seco e é propícia aos doentes asmáticos - jogou golf e ténis com o pai.»

Frente a frente com um mestre do xadrez

Não foi apenas nos desportos ao ar livre que Che Guevara se destacou. Segundo Walter Vodopiviz, também no xadrez mostrou «concentração e talento» assinaláveis. «Em pequeno, o mais complicado era encontrar um adversario à altura. Cresceu e disputou duas partidas (em Mar del Plata e em Havana) contra o mestre Miguel Najdorf, um dos melhores xadrezistas de todos os tempos.»

«Só não derrotou o Najdorf porque foi pouco paciente. Arriscou demasiado. No final do primeiro duelo o campeão polaco até quis oferecer-lhe a mesa do jogo. Mas o Ernesto recusou. Considerou que só os vencedores tinham direito aos prémios.»

Ernesto adorava o xadrez. «É um passatempo mas também um educador do raciocinio. Os países que têm grandes equipes de xadrezistas marcham também à frente do mundo em outras esferas mais importantes», defendeu um dia o Che, depois de vencer o campeoníssimo cubano, Rogelio Ortega.